Tentemos responder a pergunta: quem, além do Nuzman que é profissional do ramo, com seus executivos, e os políticos, está de fato orgulhoso e acredita que as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro serão boas para a cidade e para o Brasil que, além do mais, afinal se transformará numa potência olímpica? Experiências recentes, como o Pan de 2007 e a Eco-92, mostram que para a cidade ficam novas e pesadas dívidas e a ilusão de que a segurança artificial montada para os jogos ou para a conferência da ONU para o meio ambiente, poderia perpetuar-se. Acordos com facções criminosas como o PCC podem funcionar por curtos períodos de tempo e desde que assegurem vantagens provisórias para ambos os lados, mas não constituem solução permanente. Até aqui, os resultados das equipes brasileiras têm sido pífios e as esperanças são mínimas de que aconteça uma verdadeira revolução sob o comando desta mesma CND que ai está. Ao invés de modernos estádios e pistas, ou pelo menos junto com eles, investimentos significativos em infraestrutura e na formação e preparo de atletas teriam que acontecer, modificando por completo o quadro de desorganização e de superfaturamento que se viu na preparação para o Pan.
Há bons exemplos em outros países. Do ponto de vista esportivo, um dos mais impressionantes foi dado pela Coréia do Sul. Os mais velhos decerto recordam da Guerra da Coréia que de 1950 a 1953 arrasou aquele país, tornando-o o mais miserável e desprezado do mundo. Pois não é que apenas 35 anos depois os coreanos não só bancaram os jogos como, numa tarefa considerada antes como impossível, classificaram-se em quarto lugar no quadro de medalhas? Cidades como as espanholas Barcelona e Sevilla (esta com a Exposição Universal de 1992) ou a canadense Montreal foram efetivamente beneficiadas e passaram a funcionar, no dia a dia, muito melhor.
No caso do Rio, não se esperava que a zona norte e a baixada de fato fossem modernizadas, mas o controle do tráfico e da criminalidade ou sua redução a limites considerados como civilizados não só havia sido prometido pelas autoridades como se justificava pelos volumosos investimentos financeiros feitos. Nem uma coisa nem outra. O caos da guerra permanente entre os bandidos, a polícia e as milícias prosseguiu sua trágica marcha. A chacina do início da madrugada de 16 de outubro em Vila Isabel, quando marginais da favela São João atacaram o Morro dos Macacos deixando doze mortos, é apenas outro capítulo da tragédia vivida pelo Rio. Desta feita, num lance espetacular, criminosos de excelente pontaria e armamento sofisticado, derrubaram um helicóptero, acertando seu imprudente piloto que voava baixo e no espaço errado. A notícia da Folha era de que moradores da Vila Isabel nunca viram um tiroteio tão intenso. Dentre muitas outras, repete julho de 1993 (chacina da Candelária, oito execuções), março de 2007 (Nova Iguaçu, 16 mortos), agosto de 2008 (favela do Barbante, 7 vítimas). Ou, ainda, as recentes disputas entre gangues na favela da Maré que atravessa a Linha Vermelha e na Avenida Brasil, fazendo com que o acesso ao centro da cidade e à zona sul, principalmente à noite, ficasse seriamente comprometido. Como é possível que uma cidade como o Rio não consiga sequer desimpedir os caminhos para suas belezas?
As estatísticas não mentem. Os homicídios e os acidentes de trânsito são hoje a segunda causa de morte de adolescentes e de adultos homens no país, superada apenas pelas doenças cardiovasculares e bem à frente dos cânceres, dos problemas do aparelho respiratório e de todos os demais. O Rio lidera o ranking de cidades brasileiras em número de mortes por violência, um quesito no qual, na faixa de 20 a 24 anos, para cada mulher brasileira abatida, caem doze homens.
O secretário de Segurança Pública do Rio informou que tinha conhecimento de que o Morro dos Macacos seria invadido e reforçou o policiamento, medida totalmente inútil face ao sucedido. Nessas condições, qual a justificativa para a própria candidatura do Rio e para a decisão majoritária do COI, desprezando cidades bem mais pacatas e estruturadas como Chicago (que já teve índices absurdos de criminalidade), Tóquio e Madrid? Trata-se de uma temeridade, temperada pela euforia que subitamente tomou conta de nossa elite, aí incluídos Pelé e Paulo Coelho. Afinal, nosso presidente derrotou – e de goleada – com uma só cajadada e sob os holofotes da televisão, a um trio de invejável poder: Obama, o novo primeiro-ministro japonês Yukio Hatoyama e o rei Juan Carlos. O crime, as drogas, a mortandade no Rio? Ora, deixemos isso prá lá. Yes, we créu e tudo há de se resolver, pois as Olimpíadas vêm ai!
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional