Para quem estava no zero, desarticulada e sem saídas, esmagada pela pressão permanente e sem condescendências do governo bolivariano, a oposição venezuelana avançou muito nesta reta final e chega às eleições de domingo recuperando pelo menos com um pouco da dignidade perdida. As pesquisas de opinião indicam, quase que com unanimidade, sólido favoritismo do tenente-coronel paraquedista Hugo Chávez Frias, de 52 anos, nas eleições deste domingo. A diferença é que dessa feita a classe média e os venezuelanos que não aceitam a verborrágica presença do primeiro mandatário que há seis anos não pára de falar (com freqüência horas a fio como em seu programa semanal Alô Presidente), resolveram voltar à luta e foram às ruas. O comício final de Manuel Rosales, 54 anos, governador do estado de Zulia e candidato de união do anti-chavismo, levou mais de um milhão de pessoas à avenida Vicente Fajardo em Caracas, aos brados de “Atreva-se” numa referência à coragem necessária para desafiar o virtual ditador a quem ordenavam: “se vá, se vá, se vá”, numa demonstração de a que ponto o país está dividido.
Nas eleições legislativas de fevereiro último, a oposição decidiu retirar-se à última hora depois de constatar que era apenas um figurante sem chances, pois o sistema de contagem eletrônica dos votos era acusado de estar viciado e o tribunal eleitoral, dominado pelo governo, não era neutro. Os principais partidos – Ação Democrática, Copei, Projeto Venezuela, o próprio Movimento ao Socialismo (MAS), Bandeira Vermelha, Primeiro Justiça – desistiram de concorrer deixando o caminho livre para o Movimento V República eleger todos os congressistas (o que não é difícil num país no qual o voto não é obrigatório e a maioria dos eleitores prefere ficar em casa), o que motivou uma grosseira reação do vice-presidente Vicente Rangel que os enviou à Cochinchina (“Muy bien. Van todos al carajo”).
Diante da virtual inevitabilidade da derrota, o partido Novo Tempo de Rosales parece encarar o pleito filosoficamente, como um recomeço do processo, tido como longo e difícil, para livrar a Venezuela de Chávez que, no entanto, não está disposto a ir-se. Em plena reta final da campanha, repetiu o que vem dizendo há tempos ao dirigir-se a seus partidários: “Não me irei até que vocês queiram. Serei seu escravo até que Deus decida o contrário”.
Ninguém presta atenção nos programas de governo dos candidatos, pois a Venezuela está no fundo do poço, resumida a uma guerra (felizmente pacífica até aqui) intestina que coloca frente a frente apenas duas posições radicalmente opostas: Chávez fica ou sai. Rosales convenceu-se de que argumentos técnicos e detalhadas demonstrações sobre erros e desperdícios da administração atual não comovem a maioria que recebe apoio das Misiones chavistas, e resolveu apelar, no melhor estilo populista. Sua principal proposta é de aumentar salários e dividir 20% da renda do petróleo com a população mais pobre, depositando diretamente na conta das mulheres, pois elas é que administram as contas das famílias, a cada mês uma importância em dinheiro vivo por meio do que denomina de “Tarjeta Mi Negra”, numa alusão à cor do petróleo e à maneira como os homens por lá tratam carinhosamente suas companheiras. Argumenta que o dinheiro do petróleo tem sido gasto pelo mundo, para sustentar as idéias da Grande Venezuela bolivariana e apoiar as pretensões de liderança pelo menos continental do atual presidente, e que de ora em diante deveriam ser aplicadas em benefício direto do povo. Até aqui não conseguiu comover os eleitores, que o consideram sem carisma, mas promete seguir tentando, até o derradeiro minuto.