Chávez e a volta de Dom Sebastião

Bem Paraná

A América Latina continua sendo uma inesgotável fábrica de trapalhadas políticas, repetindo e reinventando sua história com absurdos que apenas pela falta de originalidade surpreendem a quem ainda lhes presta atenção. Os exemplos mais recentes não desmentem a teoria do círculo dentro do qual tudo acontece e volta a acontecer, num moto permanente que faria inveja a Sísifo em sua tarefa inglória de carregar pedras montanha acima apenas para vê-las rolar, obrigando-o a retomar o trabalho. Quando o mundo mal se recobrava da estupefação com as proezas do hondurenho Manuel Zelaya, em Honduras, as aventuras do bispo paraguaio Fernando Lugo, o bangue-bangue entre o governo e os cartéis mexicanos da droga, eis que um presidente após depois de quatorze anos no poder, no justo momento em que se dispunha a prosseguir por mais seis, é vitimado por um câncer e, num estado aparentemente terminal, prolonga sua vida graças à vontade de seus seguidores que se sentem perdidos sem ele. O culto aos mortos ilustres reais ou prováveis persiste com toda sua força numa região onde a presidenta peronista da Argentina, Cristina Kirchner, a dama de negro que deseja um terceiro mandato, mantém luto cerrado desde que se foi seu marido Néstor em outubro de 2010.

Mesmo assim, a opção pelo sebastianismo do pessoal do Partido Socialista Unido da Venezuela, o PSUV, está deixando as demais nações preocupadas, não só pelo primarismo que revela, mas também pelo fato de que o país é o detentor das maiores reservas mundiais de petróleo, além de ser seu oitavo principal produtor.

O termo tem origem na morte do rei português dom Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir em 1578. O povo não aceitou o fato criando a lenda de que o rei estava vivo e retomaria o trono para livrar o país do domínio estrangeiro. É um tipo de messianismo que, baseado no inconformismo com a situação política vigente, oferece uma salvação pela ressurreição de um morto ilustre. No Brasil de 1891, Floriano Peixoto, ao chamar seus adversários de sebastianistas, sugeria a existência de um movimento favorável à volta de dom Pedro II. Mais tarde, os principais exemplos entre nós foram Antônio Conselheiro, no arraial de Canudos, onde cinco anos depois pregava a seus fiéis a volta de dom Sebastião que viria para derrubar a República e restabelecer a monarquia, e as rezas do monge José Maria e da beata virgem Teodora que no sul fizeram a Guerra do Contestado. 

Concretamente a Venezuela não tem mais um governo constituído, pois o mandato do presidente e do vice que por ele foi nomeado, terminaram neste 10 de janeiro de 2013. O ex-vice Nicolás Maduro e o presidente da Assembléia Diosdado Cabello agem como crianças contrariadas que, recém entrando na adolescência, assustam-se com tudo, fogem dos compromissos e se perdem numa luta feroz entre si que só terminará quando um liquidar o outro, sob os olhares atônitos do povo. O caso é simples, como o de alguém que consegue um emprego (no caso, o de presidente, obtido por Chávez nas urnas em outubro último) e tem uma data para assumir o cargo. Ao não comparecer, a vaga é dada a outra pessoa e a instituição ou a empresa seguem funcionando normalmente. Nada, contudo, é tão elementar num país onde as decisões cabem a militares e a democracia inexiste. As dúvidas e a demora dos generais ocorrem porque receiam assumir a ditadura plena, desmanchando a tênue película que até aqui tem disfarçado as verdadeiras características do modelo chavista de administração nacional. A salvação, pensam, é que Chávez se apiade deles e de fato ressuscite.

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional