Surge no horizonte uma nova esperança para os colombianos, caso se concretize a afirmativa do título, feita pelo presidente Juan Manuel Santos ao trazer a público os entendimentos que seu governo vem desenvolvendo com as Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia, as Farc, com o objetivo de dar por encerrada uma guerra cujo começo remonta aos anos 1960 quando surgiram também o Exército Popular de Liberação de tendência maoista (desmobilizado em 1991) e o Exército de Liberação Nacional, ELN. Hoje se estima que os grupos guerrilheiros contem com não mais de doze mil combatentes, mas o país segue em prontidão. As Forças Armadas e a Polícia Civil dispõem de 470 mil soldados que, somados ao imenso contingente de vigilantes privados, aos gatilleros do narcotráfico e aos bandidos resultam em cerca de 730 mil homens em armas, um para cada 63 habitantes.

A tática de Santos é a mesma que foi empregada pelos últimos seis presidentes, a começar por Belisario Betancur em 1982: um período inicial de conversações secretas seguido pela instituição de mesas de negociação, em geral sob auspicios de outros países e de organizações internacionais. O auge ocorreu no período de Andrés Pastrana, quando o território livre de San Vicente del Caguán permaneceu por três anos sob controle da guerrilha. Até mesmo Álvaro Uribe negociou, embora apenas por debaixo dos panos. O resultado final sempre foi o fracasso, ou seja, mais guerra.

Depois de um período em que as Farc sofreram pesadas baixas, inclusive em seu secretariado dirigente, Santos parece ter chegado à conclusão de que tem melhores chances de passar à história como o grande pacificador de seu país, mesmo reconhecendo que o inimigo mantém capacidade para, inclusive, realizar ataques de grande porte nas principais cidades. O que se está chamando de rota da paz tem como base um conjunto de seis medidas recentemente aprovadas ou em fase de regulamentação. A primeira foi a renovação (até 12/2014) da Lei de Ordem Pública que permite ao Presidente da República dialogar com grupos armados ilegais.  A segunda é o marco jurídico que estabelece prioridades nas investigações e dá voz política aos que se envolvam num processo de paz. A Lei de Vítimas e Restituição reconheceu a existência do conflito armado e admite uma solução política. A Lei 1424 dá guarida a militantes desmobilizados e não envolvidos em crimes de lesa-humanidade. A Lei de Justiça e Paz, que possibilitou desarticular os grupos paramilitares das Autodefesas, está tendo sua vigência prorrogada e, por último, a Reforma do Foro Militar autoriza à justiça penal militar julgar crimes cometidos por pessoal em serviço, o que endurece o jogo na fase de tentativa de maior enfraquecimento da guerrilha.

Em princípio, de lado a lado o time de negociadores parece ser de primeira. Pelo governo Enrique Santos, ex-diretor do jornal El Tiempo e irmão do presidente;  Frank Pearl, ministro do Meio Ambiente e até aqui o encarregado das negociações secretas, Sergio Jaramillo Caro, Alto Conselheiro de Segurança Nacional e ex-diretor da Fundação Ideias para a Paz. Pelas Farc, seu chanceler Rodrigo Granda e três militantes de alto nível: Marcos Calarcá, Andrea Paris e Jaime Parra ou El Médico que montou a rede sanitária guerrilheira e cuidou de Manuel Marulanda Veliz, o Tirofijo, até sua morte. O máximo comandante do ELN, Nicolás Rodriguez ou Gabino, declarou à agência Reuters que o processo de paz poderia ser conjunto e que seu grupo está aberto a um diálogo sem precondições para discutir os grandes problemas do país.

Uma rodada inicial de debate está prevista para outubro em Oslo, Noruega, seguindo-se outra em Havana. Cinco temas em relação aos quais uma conclusão é necessária revelam bem as dificuldades para que acordos satisfatórios para os negociadores e para a sociedade colombiana sejam alcançados: a) reconhecimento político para as Farc (e ELN), transformando chefes guerrilheiros em políticos profissionais; b) devolução das terras confiscadas pela guerrilha ao governo e a seus proprietários legais; c) cessação das hostilidades com a suspensão das lutas armadas; d) concessão de benefícios judiciais com penas reduzidas estabelecidas em processos de andamento rápido; e) não extradição de líderes da guerrilha.

Tratando-se de um processo eminentemente político, não figurará na pauta a questão do cultivo e do comércio de drogas, devendo repetir-se o que sucedeu com as Autodefesas cujos combatentes, em boa parte (alguns retornaram às Forças Armadas), incorporaram-se às redes civis de traficantes. Todos querem a paz, mas ainda é cedo para afirmar que desta vez ela será uma realidade.

Vitor Gomes Pinto

Escritor. Analista internacional.