Ao que tudo indica, restarão apenas quatro personagens ao lado do republicano George Walker Bush quando, em 20 de janeiro de 2009, encerrar seu segundo mandato à frente da Casa Branca: o vice Dick Chenney que estará com 68 anos e se prevê que vá desfrutar da sua fortuna, a esposa Laura, Barney – o terrier escocês tido nos Estados Unidos como The First Dog – e, naturalmente, Condoleezza Rice, a Condi, a primeira mulher negra a tornar-se Secretária de Estado, ainda solteira aos 54 anos e cheia de ambições. Outros que pareciam tão fiéis já abandonaram o barco: Donald Rumsfeld, chefe do Pentágono; Karl Rove o estrategista-mor e Alberto Gonzalez, o Ministro da Justiça. As turbulências dos últimos quatorze meses exigirão muita habilidade para serem superadas e esta não tem sido uma das melhores qualidades daquela que foi considerada como “uma das assessoras de segurança nacional mais fracas da história americana” por Glen Kassler, jornalista do Washington Post na biografia “A confidente: Condoleezza Rice e a criação do legado de Bush” agora lançada. Avaliação igualmente dura e atual é a publicada por Elizabeth Bumiller do The New York Times no livro “Condoleezza Rice: uma história americana”.
Não é certo que Condi naufragará. Ela é o que os norte-americanos chamam de um Cisne Negro, não pela cor da pele e sim por ser exemplo de uma carreira altamente improvável que teve êxito (até o século XVII, quando cisnes negros foram descobertos na Austrália, considerava-se que todos eram brancos). Nascida no sul racista, em Alabama, quando garota assistiu a um ataque a bomba da Ku Klux Klan à igreja do bairro no qual quatro meninas, incluindo sua amiga Danis McNair, perderam a vida. Não obstante, conseguiu graduar-se em Estudos Internacionais em Denver e, pelas mãos de Josef Korbel, pai de Madeleine Albright (64ª. Secretária de Estado e primeira mulher no posto, na segunda administração de Bill Clinton), tornou-se uma das melhores especialistas em assuntos soviéticos do país. Reitora acadêmica da Universidade de Stanford, assessorou aos presidentes Ronald Reagan e Bush pai, para depois tornar-se uma executiva do petróleo da Chevron com grande influência nos negócios do Afeganistão. Voltou ao governo com Bush filho que a considera como uma irmã e nos preparativos para a invasão do Iraque ficou entre o moderado Powell (65º Secretário de Estado) a quem logo substituiu e o falcão Rumsfeld, aliado de Chenney e afinal o vencedor na batalha interna pela influência e pelo poder.
Condi quer tudo o que puder alcançar. As especulações de que seria a candidata republicana contra a democrata Hillary Clinton não se concretizaram, embora tenham sido saudadas pela mídia na esperança de uma disputa feminina Black x White pela presidência. A hipótese de que seria a vice-presidente na chapa do Partido até aqui não foi cogitada em sério. Outras possibilidades são as de que se candidate a governadora da Califórnia, concorra a uma vaga no Senado, retorne à cátedra de Stanford onde teria dificuldades, pois os alunos a rejeitam, ou se torne dirigente de uma equipe de futebol americano, sua mais confessa paixão (diz que, como estrategista, adora um bom jogo defensivo). O problema maior está em superar os erros cometidos nos sete anos em que foi a sombra de Bush na política externa. A lista de fracassos que talvez pudessem ter sido evitados é extensa: as eleições que ela na verdade patrocinou na Palestina e terminaram sendo um desastre para os EUA com a vitória do Hamas sobre os nacionalistas da Fatah; a guerra de Israel contra o Hezbollah no Líbano igualmente em 2006; o teste atômico norte-coreano; o enriquecimento do urânio pelo Irã, o fracasso na criação de um estado palestino e, acima de tudo, a campanha do Iraque. O livro de Kassler trouxe de volta uma velha dúvida no imaginário dos seus compatriotas, sobre as preferências sexuais de Rice, num episódio tratado como um affair Arroz com Feijão pelo sobrenome das envolvidas. Ao relatar que ela, junto com Colt Blaker, gay assumido, ajudou sua “melhor amiga” Randy Bean a tomar um empréstimo para adquirir uma casa onde ambas hoje residem, reavivou as suspeitas de um romance entre as duas mulheres. Condi tentará salvar-se conseguindo a paz entre árabes e israelenses, uma outra improbabilidade, mas, quem sabe, uma missão factível para um Cisne Negro?
Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional