Não há lugar para os moderados no Paquistão. Esta é a mensagem uma vez mais repetida em Ravalpindi, a cidade industrial e sede das Forças Armadas paquistanesas, a 20 km da capital Islamabad, onde um anônimo terrorista aproveitou-se do relaxamento da segurança ao final do comício para as eleições legislativas de janeiro, no Parque Liaquat Bagh (homenagem ao 1º Ministro assassinado em 1951), para disparar quatro tiros fatais na cabeça, na nuca e no peito de Benazir Bhutto antes de explodir a si próprio para causar a morte de trinta simpatizantes do PPP, o Partido Popular do Paquistão. Ela já havia se acomodado na cabine do Land Cruiser, mas a janela permanecia aberta e o esquema de proteção que deveria ser proporcionada pelo governo de Pervez Musharraf (afinal, ela foi por duas vezes 1ª Ministra) na prática inexistia, como em 18 de outubro em Karachi, dia da volta de Benazir ao país, quando outro atentado tirou a vida de cerca de 150 militantes.

O Paquistão, com seus 6774 km de fronteira com Índia, Afeganistão, Iran e China, é hoje o país mais instável e perigoso do mundo. A rica família Bhutto bem o sabe: o pai de Benazir (ela é a filha mais velha), Zulfikar, foi deposto e enforcado pelo governo do general Zia ul Hak também em Ravalpindi em 1979; o irmão mais novo, Shahnawaz, em 1995 foi misteriosamente encontrado morto na Riviera francesa; Murtaza, outro irmão, morreu assassinado à bala em Karachi, um ano depois. O que esperar agora?
As eleições legislativas de 8 de janeiro tornaram-se inviáveis. Espera-se que Musharraf as adie e retome o estado de sítio que suspendera pouco antes do Natal. O presidente, que simbolicamente deixou a farda de general para assumir novo mandato, chega a um ponto quase insustentável de sua conturbada carreira.

Acusou “extremistas” e “o terror” pelo massacre daquela que, segundo todas as evidências, seria a próxima 1ª. Ministra, mas o motivo da sua permanência no poder e do apoio norte-americano era exatamente a capacidade que alardeava de controlar os grupos radicais. As Forças Armadas, que de fato exercem o poder, estão avaliando a situação e é possível que cheguem à conclusão de que Musharraf não é mais útil, derrubando-o. A oposição, que ganha apoio popular de imediato, tende a debilitar-se no médio prazo.

Benazir era uma líder absoluta, sem rivais no PPP e não preparou sucessores. No clã Bhutto, de imediato também não há quem a substitua. A mãe, Nosrat, que já liderou o partido logo após a execução do marido, hoje no Dubai, sofre do Mal de Alzheimer; a irmã Sanam não é política; o marido Ali Zardari (já foi taxado de Mister Dez Por Cento) chegou ao Parlamento e foi ministro, mas nunca se mostrou preparado para a liderança; o filho Bilawal é o futuro comandante mais provável, mas recém completou 19 anos, enquanto as duas filhas são mais jovens (17 e 11 anos). Resta, na área civil, Nawaz Sharif, líder da Liga Muçulmana do Paquistão (PML-N) e também por duas vezes primeiro-ministro, convocou uma greve geral contra o presidente, a quem considera incapaz de governar, mas o mais provável é que seja forçado a retornar ao exílio.

Caso fique sem uma liderança clara, a militância dos dois partidos principais não terá condições de provocar uma reação consistente da população. Com isso, está preparado o caldo para mais radicalismo e mais terrorismo. Os talebans e outros grupos islâmicos extremistas continuam vivos nas madrassas paquistanesas (escolas religiosas de formação militar) e nas montanhas limítrofes com o Afeganistão, lutando para desestabilizar por completo o país a fim de tomar o poder. Não perdoam o Exército que em julho último invadiu a Mesquita Vermelha em plena área central de Islamabad matando a 240 estudantes que queriam a queda de Musharraf.

Em Washington, George W. Bush vê sua estratégia, uma vez mais mal conduzida por Condoleezza Rice, fracassar e teme que Bin Laden e a Al Qaeda se aproveitem do vácuo que foi criado no Paquistão para criar ainda mais problemas. O sacrifício de Benazir não dá esperança para a democracia no Paquistão.

* Vitor Gomes Pinto – Escritor, Analista internacional