Não há vencedores na luta permanente entre os produtores de bebidas e os que querem diminuir o seu consumo. Pelo menos há vinte anos o a média mundial permanece estável, com variações pequenas entre 4,3 e 4,7 litros de álcool per capita. Dados mais recentes relativos ao Brasil mostram que desde o ano 2000 os padrões nacionais nesse campo permanecem praticamente inalterados, em torno de 9 litros por pessoa. Rios de dinheiro público são gastos para reduzir ou pelo menos controlar os piores efeitos da bebida em excesso, mas do outro lado uma propaganda atraente e dirigida aos grupos jovens de consumidores tem conseguido neutralizar tais esforços. A exceção é o mundo árabe e em geral os países de predomínio da fé islâmica, onde os níveis de consumo por vezes aproximam-se de zero. A Organização Mundial da Saúde acaba de dar a conhecer o seu Informe 2011 da Situação Global sobre Álcool e Saúde, afirmando que o álcool é hoje o terceiro maior fator de risco para morte e para doenças e deficiências (físicas ou mentais), perdendo apenas para o baixo peso na infância e o sexo inseguro. Na verdade, responsabiliza-se por 4 de cada 100 óbitos, taxa superior até às referentes à Aids e à tuberculose. Queixa-se a OMS de que, apesar desses números, os governos dão baixa prioridade ao tema.
É na Europa Oriental que se bebe mais. Liderando as estatísticas estão a República Checa, Hungria, Rússia, Estônia, Ucrânia e Romênia, todos acima de 15,5 litros por pessoa. Praticamente no mesmo patamar encontram-se vizinhos europeus ocidentais: Portugal, Andorra e Irlanda. Na outra ponta da tabela, com taxas inferiores a 0,17 litros, figuram o Afeganistão, Paquistão, Kuwait, Líbia, Mauritânia, Bangladesh, países sob as ordens de Alá. 45,5% de toda a ingestão de álcool se refere a destilados, seguida da cerveja com 36% e do vinho com 8,5%. Não é o mesmo padrão seguido pelos brasileiros, pois aqui é a cerveja que tem a preferência. No cômputo global, o Brasil figura em 60º lugar num total de 208 países, passando para 46º quando se trata apenas da cerveja e para 70º quando o assunto é vinho, bebida para a qual os números nacionais ainda são reduzidos, com apenas 0,33 litros por pessoa ao ano. No planeta, durante os últimos doze meses os abstêmios chegaram a 58% da população com 15 anos e mais.
O álcool é um problema essencialmente masculino. Os homens costumam beber pelo menos 2,3 vezes mais que as mulheres, como ocorre no Brasil. Por esta razão, o álcool é o principal fator de risco de morte em homens de 15 a 59 anos em todo o mundo, principalmente devido a violência, acidentes automobilísticos e doenças cardiovasculares. A OMS estima um total de 2,3 milhões de óbitos anuais devidos ao álcool, sendo as três causas primeiras a cirrose hepática, os acidentes de trânsito e o câncer de fígado.
As medidas de combate principalmente à ingestão excessiva, além das relativas à melhor organização dos serviços de saúde e envolvimento da comunidade, estão centradas em quatro pontos: punição a quem dirige alcoolizado; restrição da venda e do consumo a menores de 18 anos; aumento de impostos (chegam a 45% na Noruega, contra 0,3% no Quirguistão, com média geral de 17,5%) e proibição de propaganda de bebidas. O Brasil tem uma das mais radicais legislações para os automobilistas, punindo quem dirige com uma concentração de álcool no sangue igual ou superior a 0,2 gramas por litro (g/l). Numa análise de 133 países, em 122 o teor aceito supera as 0,4 g/l, enquanto no extremo oposto oito nações – entre as quais Alemanha e Austrália – praticam a política de tolerância zero. A França é citada como exemplo em função da Lei Évin (de 1991) que proíbe patrocínio de eventos esportivos e culturais, assim como anúncios na mídia, com a exceção de revistas masculinas e certos programas de rádio.
Restrições acompanhadas por políticas altamente punitivas como a brasileira e a francesa geram reações igualmente fortes e têm sua eficácia contestada. De qualquer maneira, todas essas iniciativas até aqui só conseguiram fazer com que os padrões de ingestão de álcool nos países de consumo médio e alto permanecessem nos mesmos patamares locais de sempre. Uma vez que a idéia de catequizar os povos ocidentais ao islamismo para assim acabar com a bebida é evidentemente impraticável, parece evidente que, a exemplo das estratégias reconhecidamente pouco exitosas de combate ao uso de drogas ilícitas, há urgência em repensar os modelos de convencimento da população, buscando novos modelos de intervenção que permitam ao menos estabelecer metas mínimas de redução do consumo de álcool para a década que recém se inicia.     

  
Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional, doutor em saúde pública