Decididamente os equatorianos não conseguem acertar nos políticos que elegem e para desculpar-se os destituem um após o outro. Nos últimos anos foram sete presidentes, três dos quais derrubados em meio a violentos movimentos populares. Só não conseguiram livrar-se do dólar que desde dezembro de 1999, no final do desastroso governo de Jamil Mahuad, substituiu o velho sucre, a moeda nacional que mereceu enterro em praça pública.  Pouco antes das eleições de 26 de novembro último uma pesquisa confirmou outra mania nacional: odiar os políticos. Na ocasião, o Congresso (é unitário) detinha a confiança de apenas 17% da população, seguido de perto pelo Executivo com 22% e pela Corte Suprema de Justiça com 25%, exatamente as instâncias institucionais que agora infernizam e desequilibram o país.
Não se pode isentar a população, ou pelo menos os eleitores, de culpa. No 1º turno descartaram todos os candidatos com programas viáveis ou minimamente racionais, casos do consistente ex-vice presidente Leon Roldós, da advogada Cinthya Viteri e até mesmo do professor indígena Luis Macas. Passaram à segunda volta o ultracatólico milionário do setor bananeiro Álvaro Noboa e o jovem neochavista, economista Rafael Correa que, aos 43 anos de idade, é desde 15 de janeiro de 2007 o novo presidente do Equador. Foi uma vitória por estreita margem na qual obteve 38,4% dos votos, contra 32,3% dos que como de costume decidiram abster-se ou votar em branco e 29,3% do direitista Noboa. Paralelamente o povo escolheu 100 deputados para o Congresso Nacional, todos de oposição ao governo, pois o Partido Socialista Frente Ampla de Correa não apresentou candidatos, por considerar que a maior culpada pelas desgraças nacionais (65% da população permanece na pobreza) é a “partidocracia”, ou seja, a elite que compõe as agremiações políticas tradicionais. A posse foi feita de abraços e elogios mútuos dos dois aliados principais: o venezuelano Hugo Chávez e o boliviano Evo Morales (Lula foi a Quito, ficando sempre em segundo plano). As promessas: “recuperar a Pátria”, fazer uma “revolução cidadã”.
Com baixa experiência na arte de governar e dono de um voluntarismo juvenil, Correa atravessou seus primeiros sessenta dias de comando em meio a turbulências. Seu primeiro ato foi a nomeação da socialista Guadalupe Larriva como ministra da Defesa, uma novidade que causou estranheza nas Forças Armadas. Nove dias depois, em acidente de causas não esclarecidas, um choque em pleno ar entre dois helicópteros militares perto da base aérea de Manta causou a morte de Larriva, de sua filha Claudia de 17 anos e de cinco oficiais. O presidente substituiu-a por outra mulher, Lorena Escudero, e aproveitou para colocar na reserva vários generais e mudar a cúpula policial, com reações de contido desagrado dos prejudicados e de parte do comando.
O segundo ato foi a convocação da Assembléia Constituinte, precedida por um plebiscito. A elaboração de novas Cartas Magnas é uma mania latino-americana e, em que pese a inutilidade das mais de duzentas feitas, implantadas, modificadas e esquecidas ao longo de cerca de 200 anos de independência, permanece na ordem do dia, gozando de um prestígio como se novidade ainda fosse. Chávez fez uma que já abandonou há tempos, Morales está metido em pesada confusão para elaborar uma Constituinte boliviana que pretende mudar tudo e, agora, Correa começa seu périplo equatoriano optando pelo caminho mais perigoso, o do confronto.
Diante da virtual certeza de que seriam destituídos para ceder lugar aos constituintes (desta feita do partido de Correa), os deputados reagiram e na semana passada votaram a destituição do presidente do Tribunal Eleitoral. Este, irritado, demitiu sumariamente a 57 deputados mais claramente oposicionistas, acusando-os de impedir a aprovação da Constituinte. Ambos os atos não têm claro respaldo legal, são interpretações forçadas de leis confusas e desataram o caos, com grupos de apoio ao presidente atacando os deputados e os ferindo com apoio da polícia quando tentaram forçar a entrada no edifício do Parlamento (20 conseguiram, mas não há sessões por falta geral de quorum). Correa ao invés de apaziguar os ânimos vê em tudo a chance de conseguir pela via rápida o que mais deseja, uma concentração de superpoderes que lhe permita governar sem oposição. E faz declarações graciosas. Na TV, quando perguntado sobre a destituição dos deputados, respondeu que “foi bem-feitinho. Eles fizeram por merecer; querem criar o caos porque sabem que já estão fora” e estimula o que chama de participação popular, embora isso signifique o cerco ao Congresso e ataques a locais de reuniões das oposições. No vácuo do poder legislativo, demonstrando solidariedade zero com os colegas, 57 suplentes não querem sequer esperar pela reativação do Congresso e forçam o Tribunal Eleitoral a dar-lhes posse imediata, idéia que também conta com a concordância do presidente.
Diante da tradição de remoção rápida de presidentes que não demonstrem a menor condição para governar (recorde-se a queda relâmpago de Lucio Gutiérrez após quinze meses no poder) e dos pedidos que começam a ficar insistentes de uma intervenção do Exército, Correa já se viu obrigado a dizer que não se sente ameaçado na cadeira presidencial e que não pretende ser ditador. O Equador chora seu destino, antevendo o ano político sem dúvida difícil e pouco animador que o espera.


 


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional
Autor do livro Guerra en los Andes (Ed. Abya Yala – Quito)