Diante do novo e desenfreado estouro nacional da corrupção, desta feita envolvendo o governador Roberto Arruda, seu vice Paulo Octavio e inúmeros Secretários de Estado e deputados distritais do Distrito Federal, cabe de novo perguntar se este é um fenômeno inerente ao Brasil e se somos um país particularmente propício e atrativo para a prática da corrupção. Para não ir mais longe, recuando a 2003 em pleno primeiro mandato do governo Lula, temos um histórico recente dos mais comprometedores. O povo acostumou-se aos escândalos e deixou de lhes dar importância, ficando apenas à espera do seguinte e lamentando o supremo azar dos pouquíssimos que são punidos, por saber que funcionam como um salvo conduto para que mil outros sigam assaltando os cofres públicos e, em conseqüência, seus próprios bolsos. Quem ainda lembra detalhes sórdidos do escândalo dos bingos (o que envolveu Waldomiro Diniz e José Dirceu. Tanto estes, quanto os delúbios e genuínos da vida seguem flanando por ai) ou dos correios, da operação sanguessuga ou caso das ambulâncias, do caseiro Francenildo que temporariamente afastou o ministro Palocci, do Mensalão, das peripécias dos presidentes do Senado Renan Calheiros e José Sarney, ou de tantos outros?
Uma explicação costumeira é de que a corrupção faz parte do nosso caráter por ser uma herança portuguesa e em parte espanhola ou, ainda, fruto da miscigenação racial que forjou o brasileiro de hoje. É uma tese de fraca sustentação pois que, na evidência do dia-a-dia, a corrupção é uma característica de certas categorias (e nelas, seguramente só de alguns) como as dos políticos, dirigentes de estatais e de órgãos oficiais, gestores de contas públicas, empresários que negociam com o governo, funcionários de pouco caráter. Os demais não participam, mesmo porque estão obrigados a lutar sem trégua pela sobrevivência.
Caso possa servir de consolo, não estamos sós no mundo. Há corrupção quase que em toda parte. Ao nomear os países mais corruptos do mundo a revista Forbes apontou seu dedo acusador para réus contumazes como o Chade, Mianmar, Bangladesh, Turkomenistão. A Gallup, empresa norte-americana de pesquisas com atuação global, montou um índice baseado em duas perguntas para saber se “existe corrupção generalizada no governo do seu país ou nas empresas nele situadas”. Para um total de 101 países, a melhor situação ficou com nações altamente desenvolvidas como Dinamarca, Nova Zelândia e Cingapura, enquanto entre os dez piores figuraram Lituânia, Tailândia e Rússia, situando-se o Brasil numa pouco honrosa 42ª. posição. O mais conhecido índice é o de Percepção da Corrupção (IPC) no setor público da ONG Transparência Internacional que, em sua edição de 2009 para 180 países, repetiu os três líderes da Gallup com Suécia e Suíça no mesmo patamar, relegando aos últimos lugares países em guerra como Somália, Afeganistão, Mianmar, Sudão, Iraque e Haiti, seguidos de perto pela Venezuela. Na América Latina os menos corruptos com larga vantagem sobre os demais são Uruguai e Chile seguidos pela Costa Rica. O Brasil manteve-se no bloco intermediário, em 75º lugar geral, desta feita numa incômoda igualdade com a Colômbia, embora à frente da Argentina. Repetiram-se críticas ao IPC, a principal delas denunciando que regimes detentores de legislações superprotetoras do sigilo bancário como Suíça e Luxemburgo situam-se próximo ao topo da classificação.
Há grande preocupação com o atual momento de crise econômica internacional, quando muito dinheiro público está sendo gasto de forma muito rápida, sufocando as instâncias de controle e acompanhamento, aumentando o risco de corrupção em suas formas mais comuns: suborno (recebimento de propina), tráfico de influência, uso de informação governamental privilegiada para benefício pessoal, nepotismo, compra e venda de sentenças judiciais. Um outro lado da moeda tem sido medido pelo Índice de Suborno, pago quando um governo comercia com outros países. Analisando 22 economias exportadoras, a Transparência Internacional colocou o Brasil em 17º posto, à frente somente de quatro estados problemáticos: Índia, México, China e Rússia. Na prática a Convenção da OCDE contra o suborno transnacional assinada pelos países mais ricos nem sempre é seguida, sob a desculpa de que na hora agá para obter um bom contrato o suborno é inevitável.
No caso de Brasília, se Arruda é reincidente, o rico empresário Paulo Octavio (em 2005, como deputado, diante dos escândalos que envolviam o governo Lula e o PT, discursos rejeitano título de Cidade Corrupta para Brasília) parece ter sido pego por ganância desmedida. Ele está acostumado ao cargo de vice-governador com influência e poder aumentados por ser também Secretário de Desenvolvimento Econômico, Comércio e Turismo, posição que lhe permite assumir uma dupla posição ao negociar com fornecedores do GDF. O Distrito Federal é um vasto canteiro de obras tocadas em ritmo acelerado típico de ano pré-eleitoral: um ambiente propício para que a corrupção floresça sem limites. Mesmo assim, a população acha que os políticos e seus sócios do setor privado exageraram na dose. Dinheiro na cueca (de novo!) e na meia é, realmente, intolerável. O DEM ao conceder mais de uma semana de prazo para Arruda e seu grupo conseguirem provas condena-se coletivamente ao óbito prematuro.     


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional