O sempre frágil equilíbrio entre as três instâncias de administração pública no Brasil – federal, estadual e municipal – acaba de ser rompido pelo cada vez mais nervoso governo Lula. Aprofundando o que já vinha acontecendo nos dois primeiros meses do ano, em março deste 2009 o repasse para o FPM – Fundo de Participação dos Municípios – foi em média 14% inferior ao mesmo mês do ano anterior, com o que R$ 2,1 bilhões não chegaram aos cofres das Prefeituras no trimestre. Em protesto, todos os municípios alagoanos fecharam suas portas em 1º de abril (funcionaram só os serviços essenciais de saúde e abastecimento d’água), repetindo o ocorrido no Paraná e que está programado em Minas Gerais e em outros estados. “Sem gerar receita, municípios ficam à mercê de Brasília”, colocou em manchete um importante jornal nordestino, retratando a realidade de pelo menos 4.037 municípios (73% do total de 5.560) com até 20 mil habitantes que vivem essencialmente das receitas permanentes propiciadas pelo FPM e pela cota-parte do ICMS que é estadual. Além disso, contam com um sem número de repasses federais: Bolsa-Família e seus congêneres que já beneficiam 50 milhões de pessoas, SUS, recursos do MEC inclusive para as frotas de transporte escolar (Pnate) e os liberados através de vários Ministérios e Agências, para irrigação, desenvolvimento urbano, reforma agrária, infra-estrutura básica, saneamento, extensão rural, defesa animal e vegetal, estradas, apoio ao turismo, conservação do solo e água, manejo de bacias, etc. Na base, estão as míseras aposentadorias, como as do antigo Funrural, pagas pelo INSS, que sustentam o dia-a-dia.


Não há dúvida de que as Prefeituras, principalmente as de pequeno porte, são fortes empregadoras de mão-de-obra, mas o dinheiro que entra nem sempre vai para finalidades nobres. A receita nas cidades mais pobres costuma ser distribuída entre o Executivo, a Câmara Municipal e quantos “servidores” for possível absorver, a maioria recebendo informalmente pequenas remunerações. Em Branquinha, município mais pobre de Alagoas (13 mil habitantes), a Prefeita Ana Renata ganha R$ 14.200,00 por mês e a Vice, sua mãe Isabel, R$ 9.800,00, quase o mesmo que seus equivalentes na capital Maceió. O Secretário de Administração é o tio Renato, com salário de R$ 7.000,00. Araçoiaba, Pernambuco, 17 mil habitantes, criado em 1995 na onda da desregulamentação da Constituição de 88, arrecada apenas mil reais por mês e tem uma folha de pagamento de R$ 450 mil para 390 funcionários, bancada pelo FPM, ICMS e pelas ajudas federais. Impostos como IPTU, ISS, ITBI, são cobrados apenas nas cidades maiores. “Não há cultura de pagar o IPTU. Se for cobrar terei de sair fugido da cidade” declarou o Prefeito de Ipubi, que é do PSB, ao Jornal do Commercio de Recife. Mesmo capitais, como Boa Vista, reclamam, dizendo que o FPM é metade de sua receita. No Rio Grande do Sul, o presidente da Famurs (Assoc. dos Municípios), Elis Girardi, comentou: “Há prefeitos apavorados, sem saber como vão pagar as contas”.


A causa de tudo é a decisão do governo Lula de reduzir o IPI para montadoras de carros e motos e dar algum alívio na tabela do Imposto de Renda, justamente as fontes que financiam, cada qual com 23,5% do arrecadado, o FPM. Na contramão, o INSS está cobrando, justamente agora, dívidas que são pagas com dinheiro do Fundo, com o que vários municípios ficaram sem receber um só tostão em 31 de março. Com a queda de consumo de bens pela população, o ICMS também minguou. Os Ministérios do Planejamento e das Relações Institucionais, diante da gritaria, acenam com compensações, mas lembram que os anos de 2007 e 2008 foram de bonança com sucessivos recordes de arrecadação que forraram os caixas das Prefeituras. Pelo visto, nada ou muito pouco foi poupado ou investido. As propostas das sucessivas caravanas de Prefeitos a Brasília querem moratória de dívidas, isenção de contrapartidas do PAC e dos convênios com órgãos federais, proibição de repasses inferiores aos do ano anterior, além de compensações já, com verbas do Fundo Soberano. Ameaçam com demissões, retirada de apoios para as próximas eleições, não pagamento a credores, cortes na merenda escolar. Até o governo do Distrito Federal assumiu a crise ao saber que não receberia da União R$ 520 milhões, cortando drasticamente uma larga banda de investimentos e de sonhos imaginados num tempo de vacas gordas que parecia durar para sempre. Enquanto isso, o Congresso, na sua desfaçatez costumeira, quer aumentar o número de deputados e de vereadores. Solução? Só uma profunda mudança nas estruturas tributária e federativa brasileiras, com uma nova distribuição que elimine os municípios inviáveis e dê condições aos demais para que saiam, com autonomia financeira, da atual situação de dependência absoluta da União.