Uma semana em Buenos Aires deu-me a sensação de que a Argentina está melhorando e de maneira acelerada, mas as preocupações dos portenhos em boa parte continuam as mesmas: Maradona, conflito com o Uruguai, Malvinas, a ditadura militar, Perón. Não há que se negar: existem também assuntos novos, como as eleições na capital e depois as nacionais, os rumos da oposição. Vamos a eles.
Maradona, considerado o único herói argentino vivo, tentou fugir pela janela do seu quarto na clínica onde luta de novo contra a dependência das drogas e seu drama é acompanhado minuto a minuto por um povo sempre disposto a perdoá-lo e que torce para que Dieguito um dia encontre sua própria paz.
A fábrica de celulose da Botnia em Fray Bentos, no lado uruguaio, está praticamente construída e começa a produzir em fins de setembro. O canteiro de obras é um formigueiro com 4 mil homens trabalhando sem parar. As chaminés parecem uma sentença de morte para os moradores de Gualeguaychú, em frente, no lado argentino, que insistem em bloquear pontes e estradas na fronteira, num esforço cada vez mais inútil.
Enquanto isso, o dia da tomada das Ilhas Malvinas, 2 de abril de 1982, foi comemorado com feriado nacional. Entre mil atividades, uma exposição na Recoleta com o nome dos 649 argentinos que perderam suas vidas numa guerra que muitos consideram ter sido provocada por um mau momento de um general borracho, Galtieri. Os ingleses festejarão 74 dias depois, em 14 de junho, dia da sua vitória. Para manter a tensão, Kirchner não renovou contratos de exploração de petróleo nas ilhas cujo povo, os Kelpers, têm hoje um dos maiores PIB per capita do mundo.
Para seguir na perseguição aos militares repressores acusados de delitos contra a humanidade nos tempos da ditadura, será inaugurada uma Prisão exclusiva para Genocidas, com 50 celas em Arana, um bairro de La Plata. Apesar de sua relevância, é um tema que já está cansando aos idosos e não desperta interesse maior nos jovens. A cada dia ressurge algo do passado, numa purgação de culpas que não parece ter fim. Ana Rita Vigliatti Pretti, aos 35 anos de idade conseguiu oficialmente livrar-se do sobrenome do pai, Milton Pretti, um torturador confesso que faleceu em 2005 sem nunca ter pago pelos seus crimes (foi beneficiado pela lei da obediência devida, inventada nos tempos de Menem). A herança de sangue é inevitável, mas a maldade não é genética e Ana agora espera ter menos pesadelos.
E Perón segue multi presente. Num programa de 45 minutos na TV, promovido pelo Partido Justicialista, recordava-se uma de suas mais célebres sentenças: “Para los amigos, Todo! Para los enemigos, Ni Justicia!”.
Voltemos ao dia-a-dia. Os tempos são de eleições. Em junho o atual prefeito (ou Intendente), Jorge Telerman, que substituiu Aníbal Ibarra, destituído devido ao incêndio da discoteca Cromagnon, tenta um novo período em Buenos Aires. O favorito é o presidente do Boca Juniors, Mauricio Macri, do PRO, de direita, tido como bom administrador. Apoiado pelo governo central, Daniel Filmus corre por fora e ainda tem chances.
A expectativa maior é pela escolha do ou da candidata da situação para o pleito nacional de outubro próximo. Nestor Kirchner pode reeleger-se por mais 4 anos, tem forte apoio popular, mas é esperto e quer que a eleita agora seja sua esposa, a Senadora Cristina Kirchner. Se der certo, ele volta em 2.011 para novo mandato e ai sim aceitará a reeleição. O principal adversário é o ex-ministro da economia Jorge Lavagna, que só vencerá por um milagre. Elisa Carrió, a Lilita, parece ter mudado uma vez mais de religião e não consegue reencontrar o caminho para o poder. Seu partido, a ARI, tenta indicar o vice nas chapas de Telerman e de Lavagna, enquanto assume uma posição cada vez mais opositora em relação ao presidente, repetindo incansavelmente que “somos governados por um bando”. Os argentinos aceitarão o projeto da família Kirchner de ficar 16 anos no poder? É o que ainda veremos.
Vitor Gomes Pinto – Escritor e analista internacional