Em sua primeira visita à América Latina, a Secretária de Estado Hillary Clinton resolveu passar a semana no México, chegando um dia depois que o governo Obama fez um repasse adicional de 13 milhões de dólares para que as forças armadas mexicanas “reduzam os territórios sem governo”, ou seja, controlem as áreas onde hoje mesmo as autoridades maiores não se arriscam a por os pés. Este é um dinheiro adicional ao da Iniciativa Mérida (U$ 400 milhões no ano passado e 350 milhões neste mês), tudo para combater o narcotráfico que na atual administração desde dezembro de 2006 já resultou em 10.475 homicídios violentos, dos quais 10% foram execuções de militares, policiais ou servidores públicos. Em 242 casos as vítimas foram decapitadas, uma marca registrada dos cartéis da droga mexicanos que, ultimamente, numa ofensiva de propaganda, deram para estender grandes faixas em pontos estratégicos – as chamadas narcomantas – com denúncias de preferência aos governantes e chefes de polícia.
O Presidente FCH, Felipe Calderón Hinojosa, declarou guerra ao narcotráfico no momento de sua posse, colocando de imediato 30 mil soldados nas zonas mais afetadas pelo crime organizado (Juarez, Tijuana, Monterrey, Nuevo Laredo e Culiacán), reservando o maior contingente para o estado onde nasceu, Michoacán, o mais violento de todos. O impacto do primeiro momento foi notório. Pedro Díaz Parada, chefe histórico do tráfico que fugira da prisão quinze anos antes, Sandra Ávila Beltrán, a “Rainha do Pacífico” encarregada de trazer cocaína da Colômbia e Alfredo Beltrán do Cartel de Sinaloa foram capturados. O “Capo” Osiel Cárdenas Guillén, que estava na prisão de segurança máxima Almoyola, de onde seguia dirigindo as operações do Cartel do Golfo, viu-se extraditado para os EUA e numa operação recorde 23 toneladas de cocaína foram apreendidas. Foi o bastante para enfurecer os narcotraficantes que decidiram dar o troco. Os ataques se sucederam, aterrorizando a população e deixando clara a incapacidade das forças do governo em controlá-los. Um Jardim de Infância em Tijuana, que tinha como vizinho o estado-maior do Cartel dos Aureliano Félix, teve de ser esvaziado num enfrentamento entre a Polícia Federal e os narcos. O chefe de operações contra o tráfico da Polícia Federal, Edgar Millán, morre fuzilado na porta de sua casa em meio a uma onda de assassinatos de altas patentes militares em maio de 2008.
A população não se conforma e a popularidade de FCH cai. No começo de agosto uma multidão de um milhão de pessoas marchou no Zócalo, a praça central da capital, protestando contra a ineficácia oficial depois que o cadáver de Fernando Martí de 14 anos foi encontrado mesmo depois de seu pai ter pago um resgate de U$ 6 milhões. Logo começam os ataques à população civil, como numa festa familiar em Creel, estado de Chihuahua, que deixou treze vítimas, ou no lançamento de granadas na praça central da cidade de Morelia quando o prefeito discursava comemorando o dia da independência em 15 de setembro. Um baile promovido pelo bar Sol e Sombra de Uruapan teve de ser interrompido quando as cabeças de cinco homens foram jogadas na pista de dança. A corrupção também é combatida e sucessivamente são detidos, por receberem propina do tráfico, membros da Subprocuradoria de Investigação Especializada, a SIEDO, o chefe da Interpol e Noé Ramirez, o Czar Antidrogas do México. O dia 10 de fevereiro de 2009 ficou na história por testemunhar o maior número de homicídios violentos: 44 no total. O chefe de polícia de Ciudad Juárez, Roberto Orduña, teve de renunciar ao posto para impedir que o crime organizado cumprisse sua palavra de executar um agente de polícia a cada 48 horas se não o fizesse.
Diante de comentários da própria DEA (agência antidrogas dos Estados Unidos) de que o resultado da política do governo mexicano de guerra seria mais violência e de que o poder público perdera o controle do território, FCH declarou que o México não é um Estado falido e que estava disposto a viajar a qualquer parte do país para prová-lo. Hillary Clinton, na primeira conversa com o presidente, reconheceu que “nossa insaciável demanda por drogas e nossa incapacidade em deter o tráfico de armas alimentam o tráfico de drogas no México e estão por trás da violência na fronteira comum”. Pelo sim, pelo não, os norte-americanos estão reforçando ao máximo sua presença militar nas áreas limítrofes, adotando neste particular a mesma posição que caracterizou a administração Bush. Até quando o espetáculo de violência incontrolável às portas da nação mais poderosa do mundo será tolerado? Sob o pretexto de perseguição a traficantes que se escondem no lado mexicano após cometerem crimes nos EUA, invasões limitadas para fazer o que o país vizinho não faz podem tornar-se cada vez mais freqüentes de ora em diante. O México, de certa forma, está acostumado, pois já foi invadido três vezes (1846, 1913, 1914) pelos Estados Unidos. Os tempos são outros, mas o desmedido fortalecimento dos cartéis das drogas que, muito provavelmente com forte apoio financeiro de magnatas norte-americanos, aos poucos dominam todo o tráfico internacional, não pode ser simplesmente deixado de lado. A oposição, aquartelada em volta de Manuel Obrador e do velho PRI, não tem pena e passa o tempo criticando a Felipe Calderón, transformado num malabarista que luta cada vez mais apenas para manter o próprio poder.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional