Degustando vinhos pelo mundo

Bem Paraná

Está de volta a discussão sobre quem realmente entende de sabores e aromas de vinhos: os franceses ou os ingleses? Afinal, são os súditos da rainha que desde sempre valorizaram e compraram os produtos dos parreirais gauleses e foi para agradar o paladar de seus melhores fregueses e importadores – todos eles britânicos – que Luís-Napoleão Bonaparte, o Napoleão III, apresentou os vinhos franceses em 1855 na Exposição Universal em pleno Palácio de Cristal de Paris, criando a fama dos Premiers Crus de Bordeaux (Château Lafitte, Latour e Margaux; Haut-Brion, Mouton). Outra questão é se você acredita que uma senhora que é, nada mais, nada menos, a consultora oficial em enologia do Palácio de Buckingham, consegue escrever algo que o comum dos mortais aprecie e compreenda. Esta dúvida se desfaz à medida que se vai folheando as páginas do mais recente livro de Jancis Robinson: Como degustar vinhos (Editora Globo, 2010). Hoje, três dos maiores críticos do mundo em vinhos, Hugh Johnson, Clive Coates e a própria Jancis são britânicos, mas ela tem a vantagem da origem: o longínquo condado de Cumbria que, com suas montanhas e bucólicas paisagens, tem sido fonte de inspiração para dezenas de artistas e pensadores como o poeta Norman Nicholson, o químico John Dalton (em sua homenagem foi cunhado o termo daltonismo) e até Stan Laurel, o magro que fez a dupla impagável com o gordo norte-americano Oliver Hardy.  Poucos se esquecem da disputa que manteve com Robert Parker em torno do Château Pavie 2003 de St. Emilion, tido pelo mestre americano como um brilhante esforço e por ela como um vinho ridículo, fato que a ajudou a obter a coluna semanal no Financial Times.
Jancis começa explicando que dos três órgãos envolvidos na degustação – olhos, nariz e boca – os dois últimos é que importam. Por mais incríveis que sejam as nuanças do avermelhado de um Shiraz ou do laranja-amarelado de um Chardonnay, você não degusta com os olhos. Isso não significa que não se deva examinar o vinho em seu aspecto visual, e sim que isso lhe dá somente uma primeira noção bastante genérica do que vai beber.  A qualidade do vinho é medida essencialmente em função de sua: a) correção (pelo menos não ter defeitos óbvios) que já pode ser intuída na primeira aspirada; b) equilíbrio, por não ter demasiada (ou falta de) acidez, doçura e tanino nem predomínio do álcool sobre o aroma; c) persistência ou final do vinho, quando após engolir um aroma e um gosto agradáveis continuam a lhe dar prazer.
Um bom conselho, para quem deseja de fato degustar e sentir o verdadeiro aroma do vinho, é evitar a influência de cheiros e fragrâncias, ou seja, nada de perfumes, loções de barba, charutos ou cigarros. É preciso, também, preparar-se de maneira adequada. Dentifrícios, especialmente os mentolados, chicletes e balas de hortelã, alguns medicamentos fortes para a garganta fazem com que qualquer coisa mais ácida, e um gole de vinho em especial, se torne péssimo. Caso você, pouco antes, tenha comido ou bebido chocolate, chá, saladas super temperadas, procure mastigar algo insosso como pão e fazer um bom bochecho com água pura. Há, por outro lado, comidas que de fato não combinam com vinho. A lista da senhora Robinson inclui alimentos muito ácidos (com vinagre, limão), alcachofra pelo gosto metálico, aspargos, gema de ovo, peixe em conserva, condimentos em exagero, além dos já citados chocolate e hortelã. Sushi, sashimi? Opte por saquê.
Existem, felizmente, bons e maus vinhos em todas as faixas de preço. Os mais caros têm a obrigação de ser melhores, mas nem todos são bons e você não precisa gostar de um vinho só porque pagou muito por ele. O jeito é procurar entender um pouco mais sobre os indicadores de qualidade. Aliás, quanto menos puder despender com uma garrafa de bebida, mais deve saber sobre ela, a fim de livrar-se das piores e das inevitáveis dores de cabeça.
O primeiro gole é fundamental, mesmo porque você nunca terá uma segunda chance de ter uma boa primeira impressão, não concorda? Dê um gole generoso para que o vinho cubra todas as áreas sensíveis da boca, pois precisará avaliar doçura, acidez, nível de tanino e corpo por meio da língua e das estruturas internas da boca. Caso não estiver em um jantar ou num evento social, ou se for dirigir em seguida, poderá optar por não engolir o vinho (oh, que sacrilégio!) e cuspi-lo, o que às vezes é até necessário em se tratando de um vinho de baixa qualidade ou sem personalidade. É que estamos falando em degustação e não existem faculdades degustatórias nem na garganta nem nas estruturas que lhe seguem, a faringe e o esôfago. Você perderá os efeitos do álcool, mas se manterá sóbrio por mais tempo. 
É só um começo, mas se puder acrescentar conhecimentos a respeito das castas que mais lhe agradam, não deixe de fazê-lo. Saiba mais, por exemplo, a respeito da cabernet sauvignon, a uva que maior capacidade tem de adaptação a climas e solos mundo afora; da grande pinot noir, a uva da Borgonha que tem sido tão bem sucedida no Chile e cujos aromas possuem tantas sutilezas que alguns especialistas brincam chamando de jogo da morte o exercício de identificá-los; da Shiraz ou Syrah com seu toque de amora e que produzem os incríveis Hermitage (ou, se quiser gastar menos, os Croze Hermitage) e os grandes australianos; a sul-africana pinotage que é uma mescla de pinot noir e cinsault, embora não tenha o sabor de qualquer uma das duas; a chardonnay que fora de Chablis em geral não dispensa o carvalho ou a gewürztraminer com seu aroma inconfundível de lichia. Enfim, boa degustação, com bons vinhos!    

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional. Associado da ABS.