Deixem Honduras fazer suas eleições

Bem Paraná

Honduras conseguira estabelecer uma calma relativa em seu território, com a grande maioria da população, Congresso e Judiciário apoiando os esforços do governo provisório para organizar e realizar as eleições de 29 de novembro. Seis candidatos estavam pacificamente desenvolvendo suas campanhas e uma solução natural do conflito parecia impor-se, pois o governo provisório nunca pretendeu perpetuar-se (não é uma Junta Militar que comanda o país e sim um presidente substituto escolhido pelo Congresso por decisão da Justiça). A posse de um novo presidente em 13 de janeiro, livremente eleito pelo povo, permitiria ao país prosseguir na rotina de alternância regular do poder a cada quatro anos, conforme estabelece a Constituição de 1982 e até aqui nunca desrespeitada. O equilíbrio foi rompido a partir do momento em que Zelaya entrou na embaixada brasileira em Tegucigalpa. Ele, mais do que ninguém, sabia que o estado de normalidade interna liquidava com seu projeto de recuperar o cargo perdido. Havia que impedir as eleições de novembro a qualquer custo.
Perigosamente, a situação nas ruas e em volta da embaixada começou a deteriorar-se. Primeiro, Zelaya deu declarações estranhas, denunciando que o governo de facto planejava enlouquecê-lo ou assassiná-lo, inclusive utilizando aparelhos “para transmitir radiações de alta frequência que afetam o cérebro humano” e agora, depois que – sempre de dentro da embaixada – chamou seus apoiadores a invadir o palácio (grupos de camponeses e de professores começaram a marchar rumo a Tegucigalpa com esta finalidade) com base nas palavras de ordem “Pátria, restituição ou morte”, veio o Estado de Sítio. Kevin Casas-Zamora, Vice presidente da Costa Rica, disse à revista Semana de Bogotá que o conflito chegou às ruas e que será uma loucura se Micheletti decidir usar a força, mas Zelaya precisa “demonstrar que conta com um apoio popular tão significativo como diz que possui. Não está claro que o tenha e certamente não o tinha quando se foi”. Para o Serviço de Investigação do Congresso norte-americano a destituição de Zelaya foi constitucional e não se justifica que agora se queira obrigar Honduras a violar sua própria Carta Magna. O estudo recomenda reconhecer a legitimidade das eleições de novembro e, discordando da expulsão de Zelaya, recomenda que o atual governo permita sua saída da embaixada, abandonando os planos de processá-lo e concedendo anistia geral. “Como cidadão, Zelaya pode fazer campanha pelo candidato de sua preferência, desde que não incite a violência”. Durval de Noronha Goyos, árbitro do GATT da Organização Mundial do Comércio, considerou que a situação é ilegal caracterizando interferência indevida brasileira nos negócios de outro país. Os quatro principais candidatos à presidência fizeram questão de lembrar que as eleições internas dos partidos políticos, nas quais foram escolhidos, realizaram-se muito antes dos acontecimentos de 28 de junho, pelo que desqualificá-las agravaria a crise e seria uma absurda negação dos princípios que sustentam a democracia”. Logo, a Vice-Ministra de Relações Exteriores, Martha Alvarado, considerou que “se houver derramamento de sangue, o governo brasileiro será responsável”. Os mediadores não justificaram o título ao assumirem como pré-condição a saída de Micheletti e o próprio Secretário-Geral da OEA, José Miguel Insulza, passou a ser visto com desconfiança.
A posição oficial do Brasil não está clara. O Chanceler Celso Amorim quer uma restituição rápida e pacífica ao poder de Zelaya, invoca a Carta de Viena sobre inviolabilidade da representação diplomática, nada fala sobre eleições e diz que quem lá está é seu convidado, não havendo porque conceder um asilo que não foi pedido. Resta saber porque o governo Lula está agindo assim, de uma forma à qual a diplomacia nacional não está acostumada (o princípio de não interferência é um dos pilares da política externa desde Rio Branco). A visão de que passivamente acatou o decidido por Chávez é simplista demais. Tudo indica que lá se desenrola, para azar de Honduras, um capítulo a mais da guerra fria contemporânea. Entusiasmado com o apoio de Sarkozy à antiga pretensão de ocupar uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, Lula resolveu mostrar a nova face brasileira (os anúncios de parceria com Ahmadinejad são outro exemplo da estratégia do Itamarati de hoje) num momento em que Obama é visto pelos demais países como débil, cheio de dificuldades internas e sem vontade de acrescentar problemas aos que já tem com Irã, Coréia do Norte, Afeganistão. A Secretária de Estado, Hillary Clinton, tem luz própria e não está ajudando a melhorar a imagem que dele se está formando, de um líder pouco preparado para o jogo pesado da política internacional. Para os emergentes, dar palpite num país a menos de 1400 km de Miami (com Cuba a meio caminho) é um desafio irresistível.
A noção corrente de que Honduras é incapaz de reagir não condiz com a história da América Central, em cujas feiras se vende uma mão cujos dedos representam os cinco países com o mesmo povo. É verdade que Honduras tem sido, junto com a Costa Rica, um exemplo de democracia, mas sua última ditadura, do Coronel Policarpo García acabou há apenas 28 anos. Os doze anos de guerra fratricida na região terminaram em 1991, num período em que os esquadrões da morte guatemaltecos eram tidos como os mais violentos do mundo. Nas ruas de San Pedro Sula e de Tegucigalpa milhares de hondurenhos agora marcham pelas estradas e pelas ruas gritando “Fuera Lula” e “Lula, Lula, llevate esa mula” (a mula a ser levada, no caso, é Zelaya). A atitude do governo brasileiro de atear fogo ao estopim dentro do território hondurenho envolve um risco altíssimo de contaminar a uma região que certamente não precisa de mais conflitos.


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional