Depressão às vésperas da eleição americana

Bem Paraná

As grandes mudanças históricas acontecem pouco a pouco, como resultado de fatores contrários ao status quo que se acumulam até criar novas verdades, desmentindo o que vinha até então sendo aceito. É sempre um processo que tem momentos emblemáticos, nos quais os indicadores da transformação que logo virá aparecem de maneira mais clara ou mais aguda. Ao que parece, o mundo hoje vive um desses momentos e as chaves para entender o amanhã são duas: a eleição da 3ª. feira, 4 de novembro, nos Estados Unidos e a crise econômica internacional. Pode até não acontecer nada, mas os prenúncios da mudança são tão reais que quase podem ser tocados com nossas mãos.
Barack Obama está cansado após dois anos de campanha e surpreso, pois no fundo do coração nunca acreditou que, com o negro de sua pele, seria o próximo presidente da nação que está deixando de ser a mais poderosa de um mundo que de unipolar volta a ser multipolar. Para que o século vinte rigorosamente não passasse em branco, dois afro-americanos conseguiram ser eleitos para o Senado – o republicano Edward Brooke por Massachusetts em 1966 e a democrata Carol Braun em 1992 por Illinois, o mesmo estado que doze anos depois deu uma cadeira a Obama. Nos EUA, o racismo que liquidou Martin Luther King e criou a Ku Klux Klan segue vivo e a hipótese de um atentado pós-eleição é discutido como coisa séria. Não por acaso dois jovens neonazistas acabam de ser presos no Tennessee após declararem que “se esse negro for eleito eu mesmo o assassinarei”.
McCain está em situação eleitoral quase desesperadora. A metade mais um equivale a 270 votos e pelas pesquisas os Republicanos têm apenas 163 assegurados contra 234 dos Democratas. Os demais 141 estão em onze estados flutuantes (swing states), todos com vantagem de Obama que na média tem 49,5% dos votos contra 44,8% do seu oponente. Quem decide são os delegados e eles são escolhidos pelo voto popular, mas o vencedor em cada um dos 50 estados e na capital federal ganha tudo, ou seja, com 50,1% dos sufrágios fica com 100% dos delegados, o que dá grande força aos mais populosos como Califórnia, New York, Florida, Illinois, Pennsylvania, Ohio – 175 delegados no total -, onde a liderança até aqui tem sido de Obama. Diz-se que McCain espera por dois milagres: o primeiro, que chova muito ou até que caia neve, baseado nos estudos de três acadêmicos (Gomes, Hanford e Krause), segundo os quais para cada polegada (25,4 milímetros) de precipitação o candidato presidencial republicano costuma receber 2,5% a mais de votos, pois os mais jovens, os mais idosos e os menos politizados que votariam nos Democratas ficam em casa a qualquer contratempo; o segundo, que os racistas enrustidos que hoje declaram apoiar Obama para sair bem na foto, quando protegidos pela inviolabilidade da cabine na verdade votem nele, McCain. Para superar este último fator, os Democratas contam com o elevado número de novos eleitores negros que se inscreveram para o pleito de novembro.
Quem vencer terá de lidar com a maior crise do capitalismo desde o crash de 1929. Numa abrangente análise, o New York Times em sua edição de 26 de outubro lembrou que, então, os economistas não foram capazes nem de prever o colapso nem de tomar medidas acertadas para superá-lo, para concluir que se uma nova depressão estiver chegando não se deve esperar conselhos melhores ou ajuda significativa dos modernos economistas. Curiosamente, a BBC foi ouvir as palavras de um velho marxista, Eric Hobsbawn que, do alto de seus bem vividos 91 anos e demonstrando extraordinária lucidez, não se mostrou surpreso ao ver confirmada sua teoria de que o capitalismo e sua conseqüência, a globalização, têm operado de uma forma incrivelmente instável exceto nos países ocidentais mais ricos, admitindo a possibilidade de que o Estado, além de prestamista de última instância, volte a ser um empregador de última instância como o foi nos tempos do New Deal (nova distribuição ou trato) de Franklin Delano Roosevelt nos EUA de 1933. Para o pensador, como a esquerda hoje está virtualmente ausente, a direita será uma vez mais a grande beneficiária da crise, inclusive em função da realocação de forças que trará ao palco países como a Rússia (e a China) que, com Putin, está retornando ao autoritarismo não progressista. E aproveitou para criticar a “teologia” do livre mercado que, ao invés de ser a solução para todos os males, estimulou desigualdades extremas que acabaram por miná-lo. Emoções não vão faltar de ora em diante.    
       


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional
vitorgomesp@uol.com.br