O Equador, um dos mais belos países das Américas, definitivamente não dá sorte com seus presidentes, costumando defenestrá-los antes que consigam cumprir o mandato para o qual foram eleitos. De agosto de 1996 a janeiro de 2007, ao invés de três conforme o previsto por lei, teve oito presidentes. Um foi demitido por insanidade mental, outra mesmo sendo a vice governou só três dias. Cansados de tanta instabilidade, os equatorianos decidiram esquecer os políticos tradicionais e elegeram o mais jovem dos candidatos disponíveis para presidi-los a partir de janeiro de 2007, entregando o poder a Rafael Correa, um inexperiente economista de 44 anos, professor de uma universidade particular de Quito com pós-graduação em Illinois e na Bélgica. Eleito pela agremiação Alianza País que não apresentou candidatos ao Legislativo, de imediato mostrou ao que veio: adotou o discurso bolivariano de Hugo Chávez, convocou uma Assembléia Constituinte com forte maioria de companheiros, fechou o Congresso e após dois anos convocou novas eleições, com o que logrou estender o próprio mandato por mais um quatriênio, até 2013. Mais rápido no gatilho do que seus vizinhos venezuelanos e bolivianos, Correa logo construiu um modelo neopresidencialista de comando, também conhecido como Falsa Democracia ou Democracia de Enclave, definido por Karl Loewenstein (Universidade de Chicago) como o regime no qual aquele que detém o Poder Executivo não prescinde do Judiciário e do Legislativo porque estes lhe são submissos.
Esta é uma história tipicamente latino-americana, de como uma administração pouco preparada consegue estimular a insegurança geral. Sem paciência até mesmo com sua base de apoio na renovada Assembléia Nacional (o Congresso), o presidente passou a aplicar as leis e a decidir querelas segundo seu estado de humor de momento. Não se pode governar a patadas, disse Leonardo Viteri do ainda oposicionista Partido Social Cristão, linha filosófica originalmente adotada por Correa em seus tempos acadêmicos de militância nos grupos de juventude católica. Ele está atuando como legislador único diz Iván Castro, decano de jurisprudência de Guaiaquil. Quando a Assembléia Nacional modificou seus projetos de lei de educação superior, organização territorial e de serviços públicos, vetou as alterações sem consultar a ninguém. No mar de descontentamentos assim gerado, rebelou-se a corporação de policiais civis que se recolheu ao Regimento Quito, o principal da capital. A Força Aérea resolveu apoiar a Polícia e ocupou o aeroporto. Como de costume, grupos de marginais aproveitaram-se da situação e os saques aos comércios nas grandes cidades se multiplicaram, ameaçando desestabilizá-las.
Ao invés de negociar, Correa, furioso, saiu de seu gabinete e sem mais proteção que sua guarda pessoal, mas acompanhado pelas câmeras da TV, entrou no Regimento e enfrentou os grevistas, criticando-os de microfone em punho. Sentindo-se ofendidos, os praças ensaiaram uma vaia que se alastrou pela tropa fazendo com que o Presidente perdesse totalmente as estribeiras. Arrancou a gravata, abriu a camisa e mostrou o peito, desafiando-os a matá-lo para em seguida acusá-los de golpistas embora nem naquele instante nem nas horas que se seguiram alguém tenha sequer pensado em sua destituição. Bombas de gás lacrimogêneo, lançadas para controlar o tumulto, afetaram a respiração de Corrêa que teve de ser levado ao Hospital da Polícia. De lá começou a dar entrevistas e ordens, dizendo-se seqüestrado para surpresa dos policiais que a essas alturas cercavam o Hospital. O governo requisitou uma rede de TV por tempo indefinido e as notícias passaram a veicular exclusivamente a teoria oficial de golpe iminente. No começo da noite tropas militares de elite atacaram o Hospital atirando. Do confronto entre policiais e militares em Quito e também em Guaiaquil, com participação marginal de ativistas políticos e nenhuma do povo, restaram oito mortos e pelo menos 280 feridos, a maioria civis.
Em editorial o El Comercio, maior jornal do país, disse que inexistiu qualquer intenção de derrubar o Presidente que apenas ficou algumas horas retido no Hospital da Polícia, aonde chegou por um desatinado ato de imprudência por ele mesmo cometido. Lá, ninguém o impediu de seguir governando o Equador. O ex-presidente Lucio Gutierrez, acusado por Correa como mandante da suposta tentativa de golpe, estava em Brasília para acompanhar o sistema de voto eletrônico das eleições brasileiras e informou nada ter a ver com o que nada mais seria do que um movimento de protesto de policiais contra baixos salários e retirada de gratificações. Não se sabe o que o futuro reserva para o Equador. A desaprovação popular ao governo de Correa cresce e já está em 60%, com acusações de corrupção no Palácio de Carondelet, desemprego e subemprego atingindo a sete de cada dez equatorianos, emigração crescente (remessas do exterior são a 2ª. maior fonte de renda do país, depois do petróleo), crescente insegurança pública, salário-mínimo de US$ 240 frente a uma cesta básica familiar que vale US$ 512. A sustentação do governo vem principalmente do bônus da pobreza, pomposamente denominado de Bônus de Desenvolvimento Humano (equivale ao Bolsa Família adotado no Brasil), que foi aumentado de US$ 15 para US$ 35 mensais beneficiando 1,6 milhão de pobres e indigentes, cerca de 22% da população. Tanques do exército voltaram a circular com suas lagartas pelas ruas. Após censurar os meios de comunicação, Correa informou que aqui não haverá perdão nem esquecimento.         

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional