Passaram-se já dez anos desde que, a pedido do pessoal da redação de um jornal brasileiro, produzi o texto Ataque ao centro do mundo. Não foi uma tarefa das mais fáceis. Todos estavam atarantados, sem qualquer capacidade de reação, as informações disponíveis eram extremamente escassas e os sites da internet não davam conta da demanda global de consulta. Escrevi, então, que o terror em grande escala estava de volta e mais vivo do que nunca. As imagens dos ataques às ofuscantes torres azuis do World Trade Center em plena Wall Street e ao Pentágono eram terríveis e conflitantes. De um lado o medo espalhando-se qual rastilho de pólvora pelos Estados Unidos, com a população em desespero pela chegada da guerra sempre anunciada, mas nunca concretizada, pelo menos não nessa dimensão, em sua própria casa. De outro lado, os inimigos dos EUA na Palestina, em Cabul, Riad, Rangun, Cartun, Bagdá ou Pyongyang, festejando pelas ruas a rara derrota do adversário inclemente. As perguntas finais: chegáramos a uma situação limite, na qual prosseguir com a violência e com o terrorismo não seria mais possível ou, pelo contrário, aquele era o começo de uma nova e absurda guerra?
 Agora, discute-se quem de fato venceu a guerra ao terrorismo que consumiu a última década. Do ponto de vista dos Estados Unidos, o símbolo de sua vitória foi a morte de Bin Laden em Abbottabad no Paquistão no último 2 de maio, secundado pela recente baixa – no mesmo país – do líbio Atyah Abd al-Rahman, o número dois da Al Qaeda, organização que não mais conseguiu perpetrar atentados em solo americano e sobrevive através de dezenas ou centenas de células sem uma liderança reconhecível. David Miliband, até o ano passado ministro das relações exteriores do Reino Unido, lembrou que os sonhos de Bin Laden não se concretizaram. Entre eles, a pretensão de impor um califado global e a recuperação de terras como a Andaluzia espanhola que já foi do Islã (entre os anos 711 e 1492).
Quando se examina a questão sob outros enfoques, como o fez a revista Newsweek da última semana, surgem opiniões distintas, Poe exemplo a de que na verdade em 11 de setembro de 2001 os Estados Unidos perderam a até então inabalável confiança em si próprios. Bin Laden propôs uma guerra de civilizações, como no livro de Samuel Huntington, entre o Islã e o Ocidente, e este mordeu o anzol. Uma estimativa dos custos para os EUA apenas com os conflitos do Iraque e do Afeganistão, além da manutenção dos veteranos e vítimas da guerra, atinge a astronômica quantia de quatro bilhões de dólares, sem qualquer resultado concreto palpável. O presidente iraquiano Nouri al-Malik e o afegão Hamid Karzai, embora menos ruins do que os governos de Sadam Hussein e dos talibãs, estão muito longe de serem reconhecidos como modelos de democracia. Nesse período, os avanços no rumo de um acordo de paz entre israelitas e palestinos foram mínimos e não dão esperança de solução no futuro à vista. Os desequilíbrios econômicos que afetam o mundo ocidental e o prolongamento das batalhas, dos prejuízos e das mortes na primavera árabe atestam que não há motivos para regozijos em relação a um suposto esmagamento ou pelo menos enfraquecimento da Al Qaeda.
Talvez mais relevante seja a sensação de que agora ninguém está no comando. Barack Obama debate-se numa crise interna interminável e também sem vencedores. Seu prestígio, medido pelas pesquisas de opinião, não para de cair, atingindo um preocupante nível de desaprovação geral de 53%, com o único consolo de que o dos republicanos é de 68%. O mundo se torna cada vez mais multilateral, o que pode ser bom se for possível chegar a um patamar razoável de entendimento com potências tão díspares como a China e a Índia, os novos super-heróis da economia global.
O perigo é o rompimento descontrolado das regras, num cenário de cada um por si e não se sabe quem por todos. Territórios sem governo como a Somália e o Yemen saem de seus casulos e ameaçam as sociedades que se pensam organizadas e imunes. Uma vez que foi possível a uma organização não estatal, a Al Qaeda, desequilibrar a nação mais forte do planeta, porque outros não podem seguir o mesmo caminho?  O poder é cada vez menos estatal. As grandes corporações financeiras agigantaram-se, mas somente para seu benefício. No vácuo criado, os cidadãos ganham espaço e utilizando suas conexões e seus celulares tornam-se capazes de mostrar a todos a violência da ditadura síria ou de reunir milhões de egípcios na praça Tahrir no centro do Cairo. Para completar o quadro de incertezas, não se sabe se haverá dinheiro para cobrir os tremendos rombos criados pelo sistema capitalista e que ameaçam países como Grécia, Itália, Portugal e Espanha com a inviabilização do pagamento das altíssimas dívidas contraídas. No momento, a Europa, tão orgulhosa de sua união, nega-se a salvar a economia grega, como se o problema pudesse ser confinado em fronteiras nacionais. O 11 de setembro originou uma guerra cujos custos todos nós seguimos pagando.     

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional