O milionário Sebastián Piñera, um Berlusconi latino-americano, ao lado de seu chefe de campanha Rodrigo Hinzpeter, enfim desmentiu sua afirmativa anterior de que em um eventual governo da Coalizão para a Mudança, pela qual é o candidato à presidência nas eleições em 2º turno deste domingo 17 de janeiro, “não haveriam figuras de primeira, segunda ou terceira linha” do período de Augusto Pinochet. Caso não o fizesse, ou seja, teimasse em não aceitar pinochetistas no comando da política chilena para os próximos quatro anos, perderia ao menos parte do apoio da UDI – União Democrática Independente – o maior partido na Câmara e no Senado, onde está a ultradireita. Piñera, 60 anos, fez uma fortuna estimada em US$ 1,2 bilhão administrando empresas de cartões de crédito ou como dono da empresa aérea Lan Chile, do canal de TV Chilevisión e maior acionista do clube de futebol Colo Colo do qual se tornou presidente. Agora propõe uma melhor gestão do Estado, criação de um milhão de empregos e mão dura contra a delinqüência. Sempre apoiou a ditadura em seu período mais negro, mas num golpe de sorte votou “não” em fevereiro de 1988, no plebiscito que negou ao general Pinochet a perpetuação no poder que tomara em um golpe de estado quatorze anos antes. Em 1989 enfim realizaram-se eleições, vencidas pelo democrata-cristão Patrício Alwin, dando início ao período conhecido como de “transição para a democracia”, tutelada pelo general como comandante-em-chefe das Forças Armadas e senador vitalício até pouco antes de sua morte aos 91 anos em 2006. O poder passou para a aliança de centro-esquerda Concertación que desde então conseguiu eleger todos os presidentes – incluindo Michele Bachelet – e agora tem como candidato a Eduardo Frei Ruiz-Tagle, 67 anos, que já foi presidente entre 1994 e 2000 e, a seguir, o segundo e último senador vitalício da história chilena. Seu pai, Eduardo Frei Montalva, antecedeu a Salvador Allende, mas quando liderava uma incipiente reação à ditadura no final de 1981 esta providenciou seu envenenamento, aproveitando uma internação na clínica Santa Maria de Santiago para uma cirurgia simples de hérnia.
Pela última pesquisa de intenção de voto, Piñera tem 52,9% das preferências contra 47,1% de Frei, mas esta vantagem já foi maior (14% no 1º turno). O país pede mudanças, não quer mais do mesmo, ouve o comunicador e homem de televisão Sebastián Piñera, esquece o passado (ou o quer de volta), considerando-o mais moderno e menos conservador que seu católico e compenetrado adversário, o qual não estaria apto a dar resposta aos espinhosos temas em discussão na mídia: união de homossexuais. distribuição da pílula do dia seguinte, liberação do aborto (proibido no Chile mesmo em caso de estupro ou risco de vida para a mulher), legalização da maconha para uso supostamente terapêutico.
Tudo isso contrasta com o Chile de primeiro mundo e crescimento do PIB de 5,5% ao ano nas últimas duas décadas, com índices invejáveis de desenvolvimento econômico, liberdade de imprensa, proteção aos trabalhadores (o sistema mutual de saúde e segurança no trabalho é exemplar) e aos consumidores, educação, controle da corrupção. A principal empresa nacional, a Codelco do setor de cobre, é praticamente autônoma. A presidente Bachelet que tem 81% de aprovação ao seu governo e não consegue transferir este apoio para Frei (ou não se esforça muito para fazê-lo, já de olho nas eleições de 2013 quando poderá candidatar-se), acaba de assinar a entrada do Chile como o 31º membro da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – o clube dos ricos no qual o Brasil faz de tudo para ser aceito, se possível antes de alguns de seus principais concorrentes, como África do Sul, Índia, China, Rússia, Indonésia. O Secretário-Geral da OCDE, Ángel Gurría, resumiu a decisão tomada: “o processo do Chile é muito interessante porque, depois de uma ditadura feroz que causou uma tragédia com mortos, presos e deportados, foi possível construir um país não apenas democrático, mas com sucesso econômico visível”. Há uma sensação, dentro e fora do Chile, de que vença quem vencer o sucesso no plano econômico e social, apesar dos persistentes índices de desigualdade, prosseguirá incólume, mesmo porque as reformas neoliberais que começaram com os “Chicago boys”, economistas do governo Pinochet, tiveram continuidade nos governos da Concertación quye nunca deixaram de ser “de transição”. Logo, tanto faz votar como não votar, escolher Piñera ou Frei. Pode ser que assim seja, mas é devido a tamanha irresponsabilidade que o candidato da direita poderá vencer neste domingo.       
      Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional.