No dia 29 próximo pela primeira vez o Zimbábue, país de 13 milhões de habitantes no sul da África, terá quatro eleições simultâneas, para Presidente, Câmara, Senado e governos locais. Robert Mugabe, aos 84 anos, quer um sexto mandato e é novamente o candidato pelo ZANU-PF (União Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótica), mas desta feita tem dois fortes oponentes com chances: Morgan Tsvangirai, líder do MMD (Movimento para a Mudança Democrática) que foi por ele derrotado nas últimas eleições e o ex-Ministro das Finanças Simba Makoni, independente. Não há pesquisas de opinião confiáveis, mas a maioria hoje silenciosa parece dar o favoritismo a Makoni seguido por Tsvangirai. Caso nenhum dos candidatos obtiver maioria, haverá segundo turno três semanas após o pleito. O governo convidou o Sudão de Omar al-Bashir e a Líbia de Muhamar Kadhafi, duas das mais antigas ditaduras do mundo, como árbitros internacionais, além de observadores de países amigos, entre os quais um único europeu (a Rússia de Putin e Medvedev), Iran, Nigéria, Venezuela e o Brasil. Há previsões de fraude na contagem dos votos e o temor de que se Mugabe perder dará um golpe militar.
A campanha já foi descrita como uma luta medieval onde cada grupo avança cegamente contra os adversários. Tsvangirai recentemente voltou a ser preso (e liberado) e espancado sofrendo uma fratura craniana que quase lhe tira a vida. Candidatos locais do MMD têm sido atacados e pelo menos três foram assassinados. Nos ônibus, nos bancos e em qualquer parte onde os militantes do ZANU-PF atuam com a condescendência policial, os cartazes com a foto do Zim-1 (nome de batalha de Mugabe) não podem ser arrancados das paredes.
A inflação chegou a 150.000% (a oficial é de 100 mil) e a taxa de desemprego a 80%. Um dólar americano vale 31 milhões de dólares zimbabuanos (ou 31 mil com o corte de trêz zeros). Os sistemas de fornecimento de alimentos e de saúde entraram em colapso. O Banco Central acaba de imprimir uma nova nota no valor de 10 milhões de dólares zimbabuanos (Z$), pois nas compras de gêneros básicos normalmente o peso do dinheiro é maior que o do produto. Uma nota de 100 dólares norte-americanos é trocada por 20 kg. em notas locais comuns (de 100 e 200 mil Z$). A Aids atinge 21% da população e a mortalidade infantil cresce porque as mães não têm dinheiro para ir a um hospital. Um parto normal custa Z$ 400 milhões e uma cesariana Z$ 3 bilhões. A expectativa de vida caiu de 56 para 37 anos nas últimas três décadas.
Na capital, Harare, antes tida como a pérola da África, protegido das montanhas de lixo, o bairro rico de Borrowdale – sede de embaixadas, organismos internacionais e dos negócios da elite local -, as revendas de carros importados, as lojas cheias de artigos chineses e sul-africanos, os fast-foods e os clubes noturnos oferecem artigos de primeira, mas os preços nunca são exibidos. A informalidade é a regra e para tudo a desculpa do governo é uma só: “são as sanções”, referindo-se ao bloqueio econômico imposto pela ONU e pela Comunidade Britânica das Nações. Não obstante, Mugabe mantém uma razoável popularidade, pois o povo ainda o lembra como o libertador do domínio branco e não quer a volta da antiga Rodésia. Como ocorreu nas eleições de 2002, a ameaça agora é de fraudes grosseiras e generalizadas. O Ministro de Relações Exteriores criticou “os que acreditam que as únicas eleições democráticas são aquelas em que a oposição vence”. Boa parte do dinheiro que está sendo impresso é para pagar o funcionalismo civil e os militares, mas não é certo que estes darão cobertura a Mugabe caso ele perca e decida não entregar o poder. Ainda há espaço para o humor: diz-se que a saída de Mugabe tem a mesma probabilidade de tirar leite de uma galinha.
Não está claro o papel que joga o ex-ministro Makoni que, afinal, desde 1980 está no governo. Alguns dizem que ele é uma carta lançada pelo Zanu-PF (partido ao qual ainda pertence) para dividir a oposição. O atual presidente chama-o de prostituta e Tsvangirai diz que é um velho vinho numa garrafa nova. No dia do seu aniversário e do lançamento da campanha em Beitsbridge, divisa com a África do Sul, Mugabe viajou em seu novo helicóptero chinês e fez uma festa de arromba para dez mil convidados que custou Z$ 3 trilhões ao país. “Vote no camarada Mugabe e defenda sua terra e soberania” é o lema de seus aliados. Os otimistas incorrigíveis acham que tudo pode acontecer no dia 29, até a oposição vencer e tomar posse.
Vitor Gomes Pinto
Analista internacional. Autor do livro
“ZIM, uma aventura no sul da África”.