Equador em moratória vai às urnas

Bem Paraná

Rafael Correa, o jovem atual presidente equatoriano (46 anos), quer ficar no poder até 2.107 e para isso não tem meias medidas. Eleito em novembro de 2006 e empossado no janeiro seguinte, declarou-se adepto do “Socialismo do Século XXI” a exemplo de Hugo Chávez (também de Evo Morales e Daniel Ortega), e com muito maior rapidez que seu inspirador venezuelano dedicou-se de imediato a demolir a oposição e a adonar-se do país. Numa sucessão de atos dominou primeiro a área militar, em seguida convocou um plebiscito para instalar uma Assembléia Constituinte com plenos poderes que anulou o Judiciário e, depois de cassar sumariamente os deputados opositores que eram a maioria, fechou o Congresso para instalar nas vagas assim abertas os próprios “assembleístas”. Ditou a nova Constituição na Ciudad Alfaro que construiu com essa finalidade para demonstrar que estava de fato “refundando a nação”. Venceu de maneira arrasadora o segundo plebiscito que aprovou a nova Carta Magna e convocou as eleições gerais que ocorrerão no domingo, 26 de abril próximo para eleger 5.964 novas autoridades em todos os níveis: presidente, deputados nacionais e do Parlamento Andino, governadores e deputados provinciais (estaduais), prefeitos, vereadores, conselheiros urbanos e rurais, afora os representantes das Juntas Paroquiais.
Há oito candidatos a presidente, mas com chance de vitória apenas Correa que é o favorito com 51% das intenções de voto, o magnata do setor bananeiro Álvaro Noboa de direita concorrendo pela quarta vez consecutiva, o ex-presidente Lucio Gutierrez que foi deposto após dois anos no poder (afirma que seu governo no qual o país cresceu a 8% ao ano foi muito melhor que o de Correa) e Martha Roldós da Aliança Rede&Pólo Democrático que se diz da verdadeira esquerda e acusa os adversários de terem traído por 28 anos ao Equador, numa referência à morte de seu pai em 1981, em um acidente nunca esclarecido, quando era presidente. A luta da oposição é para chegar ao segundo turno, um objetivo que a cada dia parece mais difícil de ser alcançado. O carisma de Correa choca-se com sua mania de partir sempre para o confronto com adversários que frequentemente são criados por ele mesmo. Não sai nunca da mídia, seja com seu programa dos sábados seja pelas fortes discussões com a imprensa, a igreja, o Judiciário, o Parlamento e desde cedo com os indígenas. Estes, embora sendo 40% da população, estão enfraquecidos e sem identidade política, pois os movimentos que os representam, o Pachakutik e a Conaie, Confederação de Nacionalidades, decidiram restringir-se à disputa de cargos locais, não apresentando candidato à presidência. O governo deve perder a Prefeitura de Guaiaquil e a disputa é acirrada em Quito. O país está dividido e ainda assim o Presidente, com suas políticas populistas (dobrou o valor das bolsas-pobreza e moradia), segue triunfando em quantas eleições e referendos promove.
Há poucos meses Correa resolveu dar um calote internacional ao declarar moratória dos bônus Global que representam 33,5% da dívida externa equatoriana de 10 bilhões de dólares e vencem em 2012 e 2020. O tema, apesar de sua enorme relevância, não tem motivado maiores debates neste período eleitoral. Agora o governo propôs recomprar a dívida pagando no máximo 30% do preço de face dos papéis, na verdade o que estão valendo após terem sofrido violenta desvalorização a partir da moratória. Os credores podem ser forçados a aceitar devido à crise econômica internacional e à queda nos preços do petróleo, havendo a possibilidade de que alguns se neguem a assinar acordos para não criar precedentes em relação a outros países devedores. A alternativa seria a entrada em cortes internacionais como a de Nova York com demandas exigindo o pagamento integral, ou manter a situação atual indefinidamente, o que não interessa a ninguém e muito menos aos empresários equatorianos que estão sem qualquer acesso a créditos externos. Reestruturar a dívida é inviável, uma vez que os chamados Global 12 e 30 já são produto de duas reestruturações anteriores e ninguém mais acredita que o Equador, sob qualquer administração, vá cumprir com os compromissos financeiros que assume. Correa contratou advogados em Paris, Londres e nos Estados Unidos, que o estão aconselhando a terminar o quanto antes com os litígios. A questão é que, como não há dinheiro nem para pagar 20% da dívida, que é onde a Ministra da Fazenda quer chegar, seria preciso obter um novo e improvável financiamento. Talvez a OPEP, Hugo Chávez e quem sabe até mesmo os russos, de olho nas reservas petrolíferas, concedam um crédito a Rafael Correa que, aconteça o que acontecer, vencerá as eleições. 


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional
Autor do livro Guerra en los Andes