No domingo, 26 de novembro, será escrito o penúltimo capítulo do ciclo eleitoral latino-americano iniciado há pouco mais de um ano em Honduras. É a vez do Equador e agora em segundo turno ao qual concorrem o multimilionário empresário do setor bananeiro Álvaro Noboa do PRIAN – Partido Renovador Institucional Ação Nacional, de ideário direitista e o economista Rafael Correa Delgado, líder do recém criado Movimento Aliança PAIS/PS-FA, integralmente apoiado e política e financeiramente pelo coronel Hugo Chávez Frias, no momento candidato a presidente eterno da Venezuela. É uma escolha cruel e radical para um eleitorado que saiu da tendência dominante pela abstenção geral para cair na armadilha sem futuro que o levará nos próximos quatro anos a um governo que se prenuncia de qualquer maneira populista. Há que esperar para saber de quem serão os discursos de ora em diante: de Noboa sempre com a bíblia debaixo do braço, ou de Correa, disposto a rasgar a Constituição para fazer uma nova, mostrando que sequer aprendeu com o exemplo de Evo Morales que também seguiu os conselhos do chefe venezuelano e agora está enredado em disputas incontornáveis entre o Congresso boliviano e seus constituintes.
Recordo do ex-embaixador equatoriano no Brasil que se queixava da permanente falta de sustentação parlamentar do governo porque o segundo turno era no Congresso e lá se transformava num balcão de negócios do qual saia um presidente sujeito a barganhar projeto por projeto. A solução, dizia-me, era o 2º turno com votação popular, forçando a formação de alianças mais sólidas. Não é o que está acontecendo. Noboa triunfou em outubro com 1.464.251 votos – 26,83% do total, à frente de Correa com 22,84% – Gilmar Gutiérrez (cujo irmão foi deposto da presidência em abril de 2005) com 17,42% – Leon Roldós da Esquerda Democrática com 14,84% e Cynthia Viteri do conservador Partido Social Cristão com 9,63%, além de oito outros nanicos com 8,44%. De fora ficou um milhão de equatorianos, a turma dos brancos e nulos que se tivesse concorrido tiraria o terceiro lugar. Nenhum dos três melhores classificados apoiou a quem quer que seja, preferindo manter-se neutro e enchendo de razões ao conhecido comentarista argentino Andrés Oppenheimer do Miami Herald que após conduzir uma concorrida entrevista com os presidenciáveis escreveu que o Equador tinha candidatos “espanta-capitais” que nada haviam aprendido do caos político crônico que assolou o país nos últimos anos. Mais interessados em conseguir vantagens e fazer valer suas bancadas no dividido novo Congresso, deram liberdade a seus partidários para votar em quem desejarem, numa pretensa neutralidade que em nada ajudará o presidente eleito, certamente um futuro refém no balcão de negócios que ali se formará.
Correa só fala na Assembléia Constituinte, que substituirá o atual Congresso e também a Corte Suprema. Com isso, desacredita os três poderes, pois sequer apresentou candidatos ao Parlamento. Opõe-se ao Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, embora tenha enviado mensagem favorável ao presidente Bush, pois as negociações estão acontecendo agora. Noboa quer cortar relações diplomáticas com Venezuela e Cuba, aumentar os “bônus de desenvolvimento humano”, o bolsa-família de lá, para 36 dólares mensais e diz que vai construir nada menos que 300 mil casas por ano nos 219 cantões (conceito similar ao de município) em que se divide o país. “Serão 1350 casas em cada um, mas em Guaiaquil e Quito vou edificar 20 mil unidades” promete. Nos intervalos, acusam-se sem parar. “É um novo Anastazio Somoza”, grita Correa, numa referência ao ditador nicaragüense. “É um mentiroso, um filhote de Chávez” retribui Noboa.
O Equador, país de belezas extraordinárias, terra de vulcões e de Galápagos, tem outras distrações. Sua elite lota o Teatro Sucre em Quito para assistir embevecida a “Manuela e Bolívar: amor e morte dos libertadores”, a primeira ópera inteiramente escrita e montada no país, elogiadíssima pela mídia. Manuelita Sáenz abandonou o marido quando tinha 25 anos para tornar-se a amante de Simon Bolívar em 1822. Quando um complô tentou assassiná-lo foi ela que o salvou, tornando-se então “A Libertadora do Libertador”. Depois da morte de Bolívar, por tuberculose, ela permaneceu exilada até 1856, quando foi levada por uma epidemia de difteria no interior do Peru. Adorada em todo o mundo andino e considerada como uma mulher que teve maior influência política e histórica que Eva Perón, Manuelita tem um museu com seu nome em Quito e agora revive na interpretação magistral da atriz Maria Isabel Albuja.
Os eleitores que comparecerem às urnas no domingo terão mais três atribuições, pronunciando-se nos plebiscitos incluídos pelo atual presidente Alfredo Palácios. Dirão se apóiam o Plano Decenal de Educação, a criação de um SUS equatoriano com recursos assegurados como percentuais sobre o PIB (idêntico ao que ocorre no Brasil) e a destinação de eventuais arrrecadações extras sobre a exportação de petróleo para ações sociais e de reativação produtiva. As duas últimas medidas terão de ser aprovadas pelo Congresso em 5 meses. Por mais irreais que pareçam, as três medidas deverão ser aprovadas, pois não há ninguém que não as deseje. Noboa mantém um leve favoritismo pelas últimas pesquisas de opinião, mas seu adversário vem subindo e pode vencer. As promessas de campanha não iludem os equatorianos, divididos quase ao meio entre a descrença e o sentimento de fatalismo que apenas espera pelas conseqüências do impossível entendimento entre os dois lados que agora concorrem.
Vitor Gomes Pinto é Escritor, analista internacional. Autor do livro Guerra nos Andes