As Primárias eleitorais nos Estados Unidos costumavam ser mais tranqüilas que as atuais, pelo menos no que diz respeito ao Partido Democrata. Não é para menos: baseados na recente vitória no pleito legislativo que conduziu a deputada Nancy Pelosi à presidência da Câmara e confiando no intenso desprestígio da administração de George W. Bush, os líderes partidários assumiram aquela que cada vez mais pode ser definida como uma estratégia de altíssimo risco, ao colocar a novidade de uma mulher ou de um jovem negro como opções diante de um experiente competidor pelo lado dos Republicanos. O mundo real está, pouco a pouco, desmentindo as projeções que indicavam uma vitória tranqüila dos Democratas em novembro próximo, tendo como candidata a esposa de Bill Clinton, a senadora por Nova York Hillary Clinton. A trajetória ascendente de Barack Obama parece configurar uma típica situação de bola de neve, formando uma avalanche que não pode mais ser contida. No início das Primárias o favoritismo de Hillary era absoluto. Agora, com 67% dos delegados já escolhidos, ela tem o apoio de 1.220 contra os 1.275 que votaram a favor de Obama. É uma diferença de apenas 4,5%, mas a ex-primeira dama não conseguiu o triunfo arrasador que esperava na superterça e perdeu todas as últimas disputas, ao ponto de que se conformou a passar em branco o restante deste mês de fevereiro, apostando suas fichas no 4 de março, quando 389 novos delegados surgirão em Ohio e no Texas. Analistas crêem que ela pode repetir o erro de Rudolf Giuliani que jogou tudo em Nova York e perdeu.
Dentre as várias interrogações que seguem sem resposta, a primeira é se a duríssima guerra entre Hillary e Obama é boa ou ruim para o partido. No lado oposto, John McCain foi rápido, é o candidato republicano e concentra desde já todo seu tempo e dinheiro no objetivo principal: a eleição de novembro, atacando sem parar as fraquezas dos seus adversários. Por demais ocupados em derrotar um ao outro, os dois democratas não têm tempo para McCain. Os otimistas dizem que a luta sem quartel entre “ela e ele” é positiva, pois a campanha atraiu como nunca a curiosidade dos americanos, fazendo-os comparecer em números recordes às Primárias, o que seria muito melhor que a insípida escolha do candidato republicano. Por enquanto, a impressão dominante é a de que a figura de McCain se fortalece à medida em que se prolonga a guerra no campo inimigo, sendo aconselhável apressar a decisão, de maneira nenhuma permitindo que ela vá para a convenção democrata de 25 a 28 de agosto, quando seria tarde demais. A segunda grande questão é a própria figura do candidato. Estariam realmente os eleitores dispostos a apostar na mudança ou, pensando melhor, terminariam por eleger a qualquer um que represente não a continuidade do que foi Bush, mas sim o velho conservadorismo norte-americano? Subjacente a esta interrogação, há o fato de que, em função da cor da pele num país de forte conotação racista, Obama pode ser alguém fácil de ser batido. Seria um candidato colocado para perder, jogado às feras mais ou menos como o nosso Alckmin.
O ex-coordenador da campanha Clinton de 1992, David Wilhelm, que agora apóia Barack, disse que ele fará um “governo de 65% e não de 51% (referência à maioria com que governa Bush)”, graças a uma coalizão nacional que se formaria ao seu redor. É uma opinião isolada, pois não há evidência para justificá-la. McCain e Hillary acusam Obama de ser superficial, sem um programa concreto, mas o senador por Illinois responde que o momento virá, não é preciso gastar toda a pólvora quando a corrida recém começa a esquentar e até aqui sua tática está dando certo. Faltam menos de nove meses para a decisão e emoções certamente não faltarão neste jogo que vale o comando da nação mais forte do mundo.
Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional