Etanol é esperança e não uma ameaça

Bem Paraná

O Brasil acostumou-se a ser um país de terceiro mundo e cada vez que consegue um atalho para aproximar-se da elite mundial, estranha e reage, achando que não vai dar certo, aceitando a pressão dos que querem mantê-lo na inferioridade de sempre.


A discussão sobre o etanol, dentro e fora do país, é exemplar.


Eis que de repente, depois do sucesso antigo do ouro e do café, e mais moderno dos leitões, das laranjas, do frango e de tantos outros produtos como fatores de equilíbrio e estímulo da nossa pauta de exportação, a cana-de-açúcar encontra um novo caminho. Verdade que ela nunca saiu de moda. Quando o Brasil foi descoberto, Dom Manoel I, O Venturoso, ficou algum tempo sem saber o que fazer com as novas terras, as quais nem sabia tão vastas. Tudo começou a mudar em 1531 com a chegada de Martim Afonso de Souza. Os portugueses, acostumados com o sucesso obtido em Açores, Cabo Verde e Madeira, colocaram algumas mudas de cana-de-açúcar na bagagem e Martim Afonso não só as plantou em São Vicente como ordenou a construção de um engenho, dando início ao Ciclo do Açúcar, monocultura que sustentou, quase solitária, o país nos séculos XVI e XVII, sem nunca abandoná-lo daí em diante.


A produção nacional de açúcar passou de 700 mil toneladas em 1920 para 20,1 milhões em 2000 e para 30 milhões na safra de 2007. Já a produção de etanol deu um grande salto a partir do Pró-Álcool instituído em 1975 e este ano, impulsionada pela febre dos biocombustíveis, supera os 17 bilhões de litros. Temos uma área plantada com cana-de-açúcar de 6 milhões de hectares, metade destinada ao açúcar e metade ao etanol e isso representa 10% do total de terra usada para agricultura no país. As perspectivas, sustentadas pela instalação acelerada de novas usinas, são de expansão gradativa de modo a duplicar a produção de álcool no prazo de dez anos. Seriam 36 bilhões de litros na safra 2016/2017. Para tanto, será preciso contar com a natureza, pois além do clima favorável – um costumeiro privilégio brasileiro – uma nova cultura exige pouco mais de dois anos para começar a produzir cana-de-açúcar. Nesse período, a demanda mundial por energia e em especial combustíveis provenientes de fontes limpas e renováveis em substituição às fontes fósseis (caso do petróleo e do carvão), aumentará continuamente. Um bom exemplo das tendências internacionais é o dos Estados Unidos que projetam para o final da próxima década algo como 20% de redução da gasolina utilizada em seus carros, e em seu lugar o etanol é o candidato preferido.


Diante desse quadro, a polêmica instalou-se no país e cresce dia-a-dia. Estimulados pelos ciúmes de venezuelanos, equatorianos e bolivianos, que não querem concorrência forte na região para o petróleo e o gás que produzem, alguns argumentam que a terra é para produzir alimento e não combustíveis para exportação. Dirigentes do MST concordam com este pensamento. Contudo, tanto a área plantada quanto a produção de açúcar e de grãos também estão crescendo de maneira vigorosa, favorecidos por bons preços nos mercados interno e externo, não havendo perspectiva de que nos falte terra para estas culturas. As safras de soja e de milho de 2007 batem recordes, alcançando respectivamente as marcas de 63 e 56 milhões de toneladas.


Outros dizem que o preço dos alimentos para o povo subirá, adubando a miséria, mas este é um problema que começa a ser sentido nos Estados Unidos (e não no Brasil) onde realmente o preço do milho já é maior em função da procura crescente. A fome e a miséria nacionais têm outras e mais graves razões.


Uma terceira corrente fala em concorrência desleal, pois o Brasil paga salários de fome aos trabalhadores do setor agrícola, mantendo-os em subcondições de vida o que inclui trabalho escravo e infantil. Também reflete pressão de produtores norte-americanos, que temem a concorrência com o etanol que produzem a partir do milho. A tradição confirma tais receios, principalmente no nordeste onde foi retratada com fidelidade e crueza nos versos do poeta maior João Cabral de Melo Neto que, em Morte e Vida Severina, fala sobre a vida no engenho: “Deseja mesmo saber o que eu fazia por lá? Comer quando havia o quê e, havendo ou não, trabalhar”. Ai está um desafio que o Brasil, se quiser realmente crescer na área, terá de, um dia, superar. O etanol brasileiro a partir da cana tem hoje um custo de produção 50% inferior ao que vem do milho, cultura que tem exigido subsídios governamentais nos Estados Unidos e barreiras à importação para que a sua produção tenha custos finais competitivos. Para os problemas de trabalho escravo e infantil, assim como para as questões ambientais, o governo Lula anunciou, em Bruxelas, que estava pensando num mecanismo de certificação de qualidade, pelo menos em relação ao álcool que exportar. Este tipo de certificação, normalmente auditado com rigidez por inspetores internacionais, poderá ser muito benéfico para os agricultores, como no caso da laranja que sofreu ataques e controles semelhantes. Em relação ao açúcar os temores de concorrência são infundados. Em média já se consome cerca de 59 quilos per capita de açúcar no país, o que supera o limite de saturação sugerido pela FAO e pela OMS. Em outras palavras não há como consumir mais, embora seja possível exportar mais (o Brasil é o principal exportador mundial de açúcar), porque o consumo no mundo está aumentando e deve explodir em função do crescimento econômico chinês e das mudanças de hábitos dietéticos de seu povo.     


A quarta corrente, que muitas vezes se une à anterior, é a que alerta para os perigos ambientais, anunciando a invasão pela cana das terras da Amazônia e do Pantanal. É uma possibilidade, mas não uma fatalidade, ou seja, pode não acontecer se houver um plano de expansão controlada, evitando-se que a cultura da cana ocupe terras hoje destinadas a pastagens para o gado. A alternativa é de utilização de terras livres, de aumento da produtividade (como vem acontecendo) e de racionalização do espaço para o rebanho. Mesmo assim, a Amazônia parece estar mais protegida, pois a cana se desenvolve mal em seus solos.


A conclusão é de que o etanol é, de fato, uma incrível oportunidade econômica para o Brasil. Pode dar errado, como anunciam os pessimistas, mas não tem de dar errado, se for aproveitada por meio de um crescimento racional e planejado da área plantada com cana que cada vez mais deixa de ser apenas “de-açúcar” e passa a ser também “de-álcool”.


 


Vitor Gomes Pinto


Escritor, Analista internacional