A economia global não está propriamente mudando de dono e sim acrescentando novos ao que já existe. Embora alguns atores estejam emergindo com força crescente, como Brasil, África do Sul, Turquia, Rússia, Coréia do Sul, os papéis de czares do mundo estão reservados aos Estados Unidos, à China e à Índia. Esta é a mensagem de um indiano de apenas 45 anos, Fareed Zakaria, editor da revista Newsweek International, em seu livro “O Mundo pós-americano” editado no Brasil pela Companhia das Letras e que, com um enfoque mais universal repete o que já disse o colunista do New York Times, Thomas Friedman, em seu prestigiado “O Mundo é Plano” (Ed. Objetiva). De certa forma, a tendência sempre foi essa. Até os primórdios do século XIX, China e Índia eram tão ou mais poderosas que o Ocidente com o que, após apenas duzentos anos, estaríamos voltando a um estado de equilíbrio normal. Os números espetaculares sobre a China, com 1,34 bilhão de habitantes, tornam-se obsoletos na hora seguinte: é o maior produtor mundial de aço, carvão e cimento e também o maior mercado de telefones celulares, tendo aumentado suas exportações para os Estados Unidos em 1.600% no último lustro. A política do filho único está provocando um rápido envelhecimento da população, estimando-se que a idade média dos chineses nas próximas quatro décadas dará um salto impressionante, passando de 33 para 45 anos. Ter cada vez mais idosos diminui a capacidade de inovação de um país e um mau perfil demográfico, como o que afeta a Europa, pode ser uma doença fatal para o desenvolvimento nacional.
Não é este o caso da Índia, hoje com 1,16 bilhão de habitantes e que, graças ao fracasso de seus programas de planejamento familiar, continua sendo uma nação de jovens. A Índia, de quase todos os pontos de vista, era e ainda é um dos casos mais improváveis de solidez e expansão econômica: tem 17 idiomas e 22 mil dialetos; 330 milhões de deuses e divindades e 40% dos pobres da face da terra; seus aeroportos estão dilapidados, as estradas cheias de buracos, aldeias miseráveis e favelas não cessam de multiplicar-se. Apesar disso, em Bangalore ou em Bollywood a Índia urbana é uma explosão de consumo e de progresso, num caso único de adaptação às circunstâncias, entre as quais uma vantagem é fundamental: os indianos falam inglês!. Os empresários, como não podem exportar bens de grande porte devido ao mau estado das estradas e portos, exportam softwares e serviços que podem ser despachados por fios. A produção de inteligência é o forte do país desde Nehru que, em 1952 quando os Estados Unidos lhe ofereceram um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, recusou-o polidamente, sugerindo que fosse ocupado pela China, como de fato ocorreu.
O Brasil é citado dezesseis vezes no livro de Zakarias, um recorde para livros deste tipo, mas quase sempre como um nome entre vários outros países. Em três páginas ganha destaque especial: um elogio ao crescimento muito favorável com economia estável, da mesma forma que a Turquia, nos últimos vinte anos; uma referência ao fato de que é aqui e na Coréia do Sul que as igrejas evangélicas mais crescem e uma respeitosa reprodução de sugestões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso aos EUA numa entrevista à Newsweek em dezembro de 2007.
Os Estados Unidos parecem ter seu domínio cada vez mais ameaçado em função dos tremendos déficits de conta corrente, comercial e orçamentário, renda média comprimida, taxa de poupança próxima a zero e um sistema político antiquado (tem quase 230 anos de idade) e rígido que está submetido ao dinheiro, a grupos de interesse altamente influentes e sob constante inspeção de uma mídia interna sensacionalista. Os males ocasionados pela desastrosa administração Bush recém começam a ser contornados. Apesar disso, em 2009 permanece com folga no primeiro lugar do Ranking de Competitividade agora divulgado pela Agência de Negócios IMD da Suíça (o melhor sul-americano é o Chile em 25º. O Peru está em 37º e o Brasil em 40º).
Em Shanghai, diz-se que temos hoje “uma superpotência e muitas potências”. De fato, quando se analisa a área militar, há uma só superpotência (os EUA têm 466 bases em 40 outros países), mas nos campos financeiro, industrial, social e cultural, o núcleo de poder está se modificando. Os Estados Unidos não têm a mesma força, o mesmo domínio e influência internacional que tinham em 1945 ou mesmo em 2000, mas não serão substituídos num futuro previsível. Apesar da ênfase dada pelo autor ao poder asiático, não há como ignorar que o espectro dos países em ascensão que pouco a pouco disputarão fatias crescentes do poder é mais amplo e envolve, no mínimo, os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e a África do Sul. O jogo continua, mas tem mais participantes com chances de vitória.
Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional
Autor dos livros “Guerra en los Andes” e
“Zim: uma aventura no sul da África”
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