Os países são distintos – um é o mais rico do mundo e o outro além dos problemas econômicos enfrenta uma guerrilha interminável -, mas as táticas dos mercadores da saúde são as mesmas e ameaçam conduzir Estados Unidos e Colômbia à bancarrota. Barack Obama segue a sina dos que o precederam nos últimos 75 anos e sistematicamente se viram derrotados pelas grandes corporações que fazem da doença um lucrativo negócio. Verdade que os democratas nunca foram tão longe e ainda podem aprovar a reforma que, em síntese, obriga todos os americanos a terem um seguro de saúde aumentando a cobertura dos mais pobres (55 milhões de pessoas não têm qualquer proteção privada ou pública) via Medicaid ou subsidiando-os para que possam adquirir um Plano de Saúde. As companhias seguradoras não mais poderão negar atendimento alegando condições pré-existentes e pequenos negociantes terão facilidades para se congregarem a fim de oferecer a si próprios e a seus empregados planos corporativos que são mais baratos que os individuais. Em novembro na Casa dos Representantes (Câmara de Deputados) a Reforma de Saúde foi aprovada por 220 votos contra 215 e esta semana conseguiu passar pela quinta e última Comissão do Senado, a de Finanças, por 14 votos contra 9. No entanto, os republicanos mesmo sendo minoria continuaram oferecendo dura resistência até que acharam uma brecha para obstruir a aprovação final do projeto governamental. Em Massachusetts, Scott Brown conquistou a cadeira do falecido senador Edward Kennedy para completar-lhe o mandato até 2012. Com isso, caiu a maioria do Partido Democrata no Senado de 60 x 40 que lhe permitia ignorar a oposição. Agora, é preciso negociar e o presidente Obama convidou os dois partidos para um debate televisionado dia 25 de fevereiro, destinado a encontrar uma solução, ou seja, uma alternativa para evitar que seu projeto, a exemplo dos anteriores, vá parar na gaveta. Os republicanos dizem que aceitam, mas propõem recomeçar a discussão do zero, algo evidentemente não aceito pelo presidente. Atualmente há dois projetos em discussão: o original e o resultante das observações feitas pelas Comissões do Senado, que não inclui, por exemplo, a alternativa de um plano de saúde oficial que concorreria com os planos comerciais oferecendo preços mais baixos. No retrovisor está o enfraquecimento de Obama, cuja aprovação caiu para 56% ao final de seu 1º ano no poder, e na perspectiva os holofotes se concentram nas eleições legislativas de novembro para as quais não há favorito.
Sem outra alternativa de curto prazo para superar o caos em que se transformou o sistema de saúde colombiano, o presidente Álvaro Uribe decretou Emergência Nacional e assinou 15 decretos modificando quase tudo. Pelo modelo vigente (Lei 100 de 1993) há um Plano Obrigatório de Saúde (POS) que deve ser oferecido pelas Empresas Promotoras de Saúde (EPS) segundo dois regimes: o contributivo custeado por descontos sobre a folha de salário de 12% (os patrões pagam 8% e os empregados 4%) e o subsidiado para aos que ganham menos de 2 salários-mínimos. Neste caso, os serviços são prestados pelas prefeituras ou por estas subcontratadas, mediante verbas aportadas pelo governo ou por 1% dos vencimentos de quem ganha mais de 4 salários. Dentre vários problemas de funcionamento do sistema, os que são subsidiados (39% da população) em geral recebem menos ou piores serviços que os da categoria contributiva (37%, com os demais sem qualquer cobertura). O que implodiu o sistema foi algo similar ao ocorrido no Brasil em 1967 com o seguro de acidentes do trabalho: a população acostumou-se a impetrar liminares judiciais que na 1ª. Instância devem ser julgadas no máximo em 10 dias e que em 90% dos casos dão ganho de causa ao demandante. Dessa maneira tudo se consegue: atendimento integral ao paciente até sua recuperação, cirurgias, tratamento continuado e medicamentos para Aids ou de uso contínuo. Milhares de liminares terminaram por bloquear o funcionamento da Justiça. Diante da debilidade dos controles, laboratórios farmacêuticos, hospitais, EPS e clínicas acostumaram-se a cobrar do governo duplamente por um mesmo serviço prestado aos pacientes. Medicamentos para câncer e artrite, p.ex., bateram recordes de demanda sem que houvesse qualquer mudança na prevalência dessas doenças na população. Uribe determinou que os planos devem ser nivelados, impôs multas e castigos a quem for apanhado por fraude, além de elevar os impostos sobre bebidas, cigarros e jogos. As culpas foram jogadas nas costas dos médicos, poupando os verdadeiros culpados que são as organizações que os empregam ou se aproveitam de seu trabalho. O povo diz que o sistema ficou ainda mais confuso, as novas regras são obscuras e acusa o governo de querer mais dinheiro para usar na campanha eleitoral. Enquanto isso, a saúde dos colombianos continua na UTI.


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional. Doutor em Saúde Pública