Quando o 1º ministro britânico David Cameron entrou no plenário da Cúpula da União Européia (UE), no último dia 8 de dezembro em Bruxelas, uma nuvem negra caiu sobre as negociações que procuravam salvar o euro e a economia do velho mundo. Ele não veio para conversar, veio para defender seus próprios interesses, escreveu o francês Le Figaro, dando o tom com que uma Europa ressentida e irritada recebeu a decisão inglesa de ficar de fora do acordo que terminou sendo assinado pelas demais 26 nações do bloco (Suécia, República Checa e Hungria ainda submeterão suas decisões favoráveis aos respectivos Congressos) e que prevê, entre outras medidas, sanções para os que não cumprirem as metas de déficit, adoção de orçamentos equilibrados como norma constitucional, antecipação em um ano da criação do fundo de resgate permanente e aporte de US$ 266 milhões ao FMI para ajudar aos países com problemas. As exigências feitas por Cameron no sentido de livrar a City financeira de Londres de compromissos comuns foram consideradas inaceitáveis. O chamado Plano Merkozy, liderado pelo eixo Alemanha-França com Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, acabou consagrando a divisão em dois grupos: um pró-Europa comum e outro dos eurocéticos. Avaliações independentes, neste primeiro momento, sugerem cautela em relação ao futuro, ou seja, não se sabe se a fratura ocorrida será um bem ou um mal a médio e longo prazo. Concretamente, o veto britânico impediu a pretendida integração fiscal por meio da reforma por consenso do Tratado da União Européia.
As críticas mais pesadas trazem de volta antigos ressentimentos continentais em relação a um país que dominou por séculos a cena econômica global. O líder do Partido Democrático Livre da Alemanha, Alexander Lambsdorff, chegou a dizer que foi um erro permitir a entrada dos britânicos na União Européia. Para Yvan Duvant, comentarista político da BBC, os britânicos ficariam melhor sem a UE e definitivamente a UE estará muito melhor sem o Reino Unido. A mídia italiana coincidiu no julgamento de que há um obstáculo para a Europa que deve ser superado e não é a Alemanha. É o Reino Unido, que não pode mais ficar com um pé dentro e outro fora da UE, sabotando-a. Já os jornais franceses consideram que o Reino Unido honrou sua reputação de país dissidente, que nunca tem planos de ir junto com a corrente. Já Margrethe Vestager, ministra da Economia da Dinamarca, reagiu com maior delicadeza: é preferível que permaneçamos juntos ao invés de cada um escolher seu próprio caminho em uma crise de dimensões tão grandes.
Consolida-se aos poucos a imagem de que Cameron está só. Ao comparecer nos próximos dias diante do parlamento londrino para dar explicações, terá ao seu lado um duro e perigoso crítico, o vice-primeiro ministro Nick Clegg dos Liberais Democratas que formam com os Conservadores a coligação (agora ameaçada) que governa o Reino Unido. A decisão de Cameron foi espetacularmente equivocada, disse Clegg, acrescentando estar amargamente desapontado por achar que existe o perigo de que o país seja isolado e marginalizado no seio da UE. O coro da desaprovação cresce em Londres, naturalmente apoiado pela oposição trabalhista, cujo líder Ed Miliband considera ser evidente que Cameron fez isto porque a ala eurocética do Partido Conservador conquistou, na prática, o poder, e isso, em sua opinião, não é nada bom para os interesses nacionais. De ora em diante os 26 países europeus reunir-se-ão regularmente para discutir a política econômica tomando decisões que mudarão o mercado comum e a regulação financeira e os ingleses nem sequer estarão à mesa.
É uma Europa errante ainda sem saber como sairá da crise. No dia em que o 1º ministro Mario Monti tentava convencer os italianos a aceitarem o novo pacote de restrições econômicas que vai congelar as pensões de valor superior a 960 euros, ao seu lado a ministra do Trabalho Elza Fornero chorou ao anunciar que os mais velhos teriam de trabalhar mais 4 anos para se aposentarem. Na prática, a Itália tem uma dívida de 2,6 bilhões de dólares e se entrar em moratória poderá arrastar em seu desastre a eurozona. A Grécia se prepara para a sétima greve geral no começo de julho, quando entrará em discussão final o projeto de lei que eleva a idade de aposentadoria, reduz as pensões e facilita a demissão de trabalhadores. Em Portugal o histórico líder socialista Mário Soares, inteiramente lúcido aos 86 anos de idade, denuncia o modelo econômico vigente, diz que a Europa está entregue aos especuladores e pede uma mudança de paradigma contra o que chama de aventuras do neoliberalismo com suas agências de risco e a economia virtual. Para ele não é mais o Estado que comanda e sim o Mercado, chegando ao ponto de que países como a Grécia e a Itália passaram a ser dirigidos por tecnocratas sem sensibilidade para as questões sociais.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional