Desta feita as ameaças de guerra civil rondam o oeste da África, uma região de planícies semi-áridas com raras elevações onde vivem 291 milhões de pessoas, das quais 19,3 milhões na Costa do Marfim onde um conflito de pelo menos quinze anos, nunca resolvido, faz com que hoje o país tenha dois presidentes: Laurent Gbagbo que há uma década está no cargo e Alassana Ouattara que venceu com 54% dos votos o 2º turno das eleições nacionais de 28 de novembro último. Os resultados, atestados pela Comissão Eleitoral Independente (CEI), são reconhecidos pela comunidade internacional e em especial pela União Africana e pelo Conselho de Segurança da ONU que emitiu resolução condenando as tentativas de usurpar a vontade do povo e comprometer a integridade do processo eleitoral, mantendo o embargo de armamentos e estendendo por mais sete meses o mandato da UNOCI (missão da ONU para a Costa do Marfim) que lá está há sete anos, apesar da recente ordem para que se retire emitida por Gbagbo. Este, afirma ter ganho as eleições, alegando votos de estrangeiros e de eleitores inexistentes que teriam sido dados ao seu adversário no norte do país. Curiosamente, não houve contestação da apuração, feita pela mesma CEI, do 1º turno, quando Gbagbo obteve 38% dos sufrágios contra 32% de Ouattara e 25% do terceiro candidato, Henri Bédié, cujos eleitores em sua maioria decidiram apoiar a oposição.
Os marfinenses só deixaram de ser uma colônia francesa, tornando-se independentes, em 1960 com Félix Houphouet-Boigny na presidência até sua morte em 93. Assumiu Henri Bédié que, numa eleição boicotada pela oposição sob acusações de fraude, permaneceu na presidência e manteve a ditadura até ser derrubado em 1999, no primeiro golpe de estado no país. O general golpista, Robert Guel, no ano seguinte realizou eleições e se autoproclamou vencedor apesar de derrotado nas urnas por Gbagbo. Um levante popular apoiado pelo exército forçou Guel a exilar-se no vizinho Benin, onde mais tarde foi assassinado. A partir daí começa a luta que persiste até hoje. Uma lei casuísta impediu Ouattara, um ex-funcionário do FMI, de concorrer por ser filho de pais nascidos no Burundi. Perseguido, liderou uma tentativa frustrada de golpe que em 2004 degenerou numa cruenta guerra civil. Os rebeldes, com uma organização chamada de Forças Novas, passaram a controlar a metade norte do território nacional, forçando negociações sob patrocínio da França e da ONU que desembocaram numa passageira reunificação do país. Novas eleições foram constantemente adiadas devido à não integração dos rebeldes no exército nacional e às dificuldades em identificar a população para elaborar listas confiáveis de eleitores, situação agora só em parte contornada graças à presença da força mediadora das Nações Unidas.
Guerras civis não são novidade na África. Para citar apenas algumas mais recentes, temos os casos da Nigéria, Angola, Etiópia, Libéria, Sudão e Congo. Há mais etnias do que países e os grupos raciais e religiosos não obedecem as fronteiras que dividem as nações, mas não a eles. Desde o Sudão, no mar Vermelho, até a Libéria no Atlântico, há uma linha virtual abrangendo pelo menos nove países que separa o lado sul onde vivem cristãos do norte onde estão muçulmanos. É o caso da Costa do Marfim, a nação mais rica da África Ocidental (nove países incluindo a Nigéria) por ser o maior produtor mundial de cacau, dividida entre o sulista católico romano Gbagbo e o nortista muçulmano Ouattara, inconciliáveis em suas fés e visões do mundo.
A Comunidade Econômica dos Países da África Ocidental (CEDEAO) está fazendo o que pode para evitar o conflito que já causou 147 mortes no período pós-eleitoral. Na 3ª. feira três presidentes – Boni Yayi do Benin, Ernest Koroma de Serra Leoa e Pedro Pires do Cabo Verde – foram a Abidjan numa derradeira tentativa de evitar uma intervenção. Conversaram também com Ouattara que diz estar governando, mas permanece isolado com sua equipe no Golf Hotel na área chique da cidade cercado pelas Forças de Defesa e Segurança do exército. O 1º ministro do Quênia, Raila Odinga, nomeado mediador oficial pela CEDEAO, aguarda a oportunidade de entrar em ação. Laurent e Simone Gbagbo (o casal presidencial) dizem que só saem mortos do palácio de governo e ameaçam com a guerra civil no caso de uma intervenção externa que certamente contaminaria nações limítrofes. Cerca de 30% da população da Costa do Marfim é de imigrantes (só de Burkina Faso são três milhões) que geralmente trabalham como ilegais nas plantações de cacau e de café. Caso inexista acordo, a solução – sempre evitada pela comunidade internacional que criou nações e fronteiras artificiais África afora – poderá ser a divisão da Costa do Marfim em duas, uma do Sul e outra do Norte.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional