FARC, CHÁVEZ E COLÔMBIA: A PANTOMIMA LATINO-AMERICANA
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional
Terminada a Copa do Mundo e à falta de maiores novidades, a América Latina volta a afundar nas águas rasas das suas pequenas querelas, agitadas pelos mesmos caudilhos que há dois séculos a comandam. Virou moda a cada eleição, do Uruguai ao México, acusar o candidato de esquerda de ligações ou de ser influenciado por Chávez e de permitir a livre movimentação de guerrilheiros das Farc. Diante de eleitorados que no fundo permanecem conservadores, os acusados costumam, ao menos da boca para fora, negar tudo e às vésperas dos pleitos esforçam-se para fugir do venezuelano como o diabo da cruz, embora depois, caso vençam as eleições, corram para os seus braços. Não há, pois, qualquer surpresa nas movimentações políticas dos últimos dias, seja nos confrontos verbais entre os candidatos brasileiros, seja no rompimento de relações entre Venezuela e Colômbia. Pouca importância tem a verdade, mesmo porque ninguém irá investigá-la.
No Brasil, a circulação de representantes das Farc, a presença da guerrilha na nossa vasta e despovoada fronteira, as facilidades com que os laboratórios de produção de cocaína e os pontos de apoio ao tráfico se multiplicam, são fatos de há muito sabidos. Em maio último, por exemplo, a Polícia Federal prendeu oito membros da Frente nº 1 das Farc num sítio perto de Manaus, sob o comando de José Samuel Sánchez, o Tatareto (gago), que operavam uma rota de tráfico a partir dos rios amazônicos. No clima da violência que assola as cidades brasileiras, o vai e vem dos colombianos tem sido encarado como algo corriqueiro e inevitável.
Na reunião da OEA de 5ª. feira passada, 15 de julho, o chanceler colombiano apresentou evidências irrefutáveis (e não refutadas) da presença de cerca de 1.500 guerrilheiros em mais de 80 bases de operação em território venezuelano, incluindo o endereço da residência de Iván Marquez, um dos principais chefes das Farc. O plenário, no qual só cinco votos são favoráveis ao governo de Álvaro Uribe (EUA, Canadá, México, Chile e Peru), sentiu-se incômodo com a retórica pesada de Luis Alfonso Hoyos, o representante colombiano e com as respostas evasivas de Roy Chaderton pelo lado venezuelano, optando por agir como a coruja da lenda: manter-se imóvel, mas com os olhos bem abertos para mostrar que está prestando atenção.
Os embates entre os dois países, que acabam de reduzir ao seu nível mais baixo o antes intenso comércio bilateral, começaram logo após o 21 de agosto de 1821 quando surgiu a Grande Colômbia reunindo numa só pátria os atuais territórios de Venezuela, Colômbia, Equador e Panamá, tendo Bogotá como capital. Após um curto período sob a presidência do caraquenho Simon Bolivar, assumiu o Francisco de Paula Santander (nascido em Cucuta, na Colômbia). O sonho acabou em 1830 quando os venezuelanos se retiraram por não aceitarem ser governados por um colombiano. Os confrontos ao longo dos oito anos de mandato de Uribe se multiplicaram. Grandes shows de Chávez caracterizaram os episódios da captura de Rodrigo Granda em Caracas, bombardeio ao acampamento de Raúl Reyes no norte do Equador, sua retirada abrupta da condição de mediador da liberação de seqüestrados pela guerrilha e reação da Venezuela ao acordo de cooperação militar entre Colômbia e EUA após o fechamento da base americana de Manta no Equador.
Especula-se em torno das razões que levaram Uribe a apresentar fatos dos quais há meses tinha pleno conhecimento, às vésperas da posse de seu sucessor e ex-Ministro da Defesa Juan Manuel Santos. A interpretação provavelmente mais verdadeira é de que Uribe quis poupar Santos do desgaste de fazer uma denúncia de tal gravidade ao vizinho logo ao início do mandato. A tática parece estar funcionando, com a turma do deixa-disso batendo numa só tecla: acalmar os ânimos à espera de que o novo presidente assuma seu posto em 7 de agosto próximo. A nomeação, já divulgada, de María Angela Holguín, habilidosa ex-embaixadora em Caracas, para a pasta das relações exteriores de Bogotá, é vista como uma prova da disposição de Santos para o entendimento, mesmo que todos saibam ter sido ele quem ordenou o ataque que liquidou com Reyes. Obama quer evitar a briga, assustado com a ameaça de Chávez de interromper a remessa de 1,4 milhão de barris de crudo por dia, o que faz da Venezuela o 5º maior fornecedor de petróleo dos EUA, sem possibilidades de substituição por outra fonte nem no curto nem no médio prazos. As perspectivas não são de paz, mas também não prenunciam a guerra.