Desafiando o senso comum de que a felicidade é um conceito subjetivo que não pode ser medido, um número crescente de pesquisadores trabalha na área formulando indicadores na perspectiva de sua utilização pelos governos para orientar suas políticas públicas. Novas leis, edifícios ou estradas deveriam assegurar que sua aprovação faria as pessoas mais felizes. É a pretensão do presidente francês Nicolas Sarcozy que formou uma “Comissão para medir performances econômicas e de progresso social” liderada por Joseph Stiglitz e pelo Prêmio Nobel Amartya Sem. Orientado a evitar utopias e buscar resultados práticos, o grupo sugeriu oito dimensões de bem-estar, para identificar condições de vida material, saúde, educação, meio ambiente, atividades pessoais, ligações sociais, participação na vida política e insegurança econômica e psíquica. Em parte, a proposta francesa segue os padrões adotados no Butão, cujo rei instituiu o Índice de Felicidade Interna Bruta, o FIB em oposição ao PIB, estabelecendo um conjunto de 73 variáveis que medem o bem-estar e a satisfação com a vida de seus habitantes. O país, com 700 mil habitantes e sempre ameaçado de desaparecer caso os grandes lagos do Himalaia transbordem, figura em 8º lugar com uma média de 7,8 numa escala de 0 a 10 segundo o Banco de Dados Mundiais da Felicidade, criado pelo sociólogo holandês Ruut Veenhoven que mede diversos fatores como educação, ausência de medos e de violência, igualdade de gênero e, principalmente, a liberdade de fazer escolhas. Em 1º está a Costa Rica, seguida por Dinamarca, Suíça e Islândia, com Tanzânia, Togo, Burundi e Zimbabwe nos últimos postos. O Brasil é o 18º.
Uma ONG britânica, a Fundação Nova Economia, criou o Índice Planetário da Felicidade (Happy Planet Index – HPI), explicando que se trata de uma medida de eficiência ambiental que conduz ao bem-estar. Por seu turno, o Canadá desenvolveu um conjunto de 30 indicadores de qualidade de vida agrupados em três grandes categorias: condições de vida, populações saudáveis e vitalidade comunitária. Métodos costumeiramente adotados pela comunidade científica, como o Índice de Qualidade de Vida ou o Índice de Desenvolvimento Humano, não são considerados como satisfatórios quando se trata de realmente medir a felicidade. Entre seus possíveis substitutos figuram o Inventário Oxford de Felicidade de Michael Argyle baseado numa única pergunta – Você se sente feliz em geral? – e o extenso Questionário sobre Atributos de Sucesso e Felicidade (SHAQ na sigla inglesa) formulado por Tom Stevens da Universidade do Estado da Califórnia.
Na mais antiga tradição grega, a felicidade está ligada ao destino e independe do que se possa fazer ou omitir. Não por acaso, o termo inglês para felicidade é happiness que vem do verbo to happen, ou seja, o que vai acontecer e, portanto, é incerto. Não tendo garantias, pode desaparecer. Aristóteles e Platão dissociaram a felicidade da sorte e, ao afirmarem que uma vida feliz é conseqüência de uma vida virtuosa, cultivada pelo próprio homem, lançaram as bases em que se apóia o mundo moderno. Há, porém, os que afirmam ser a felicidade a aceitação da própria sina ou destino, exigindo uma adaptação de desejos e expectativas ao que acontece. Daí veio o materialismo, pelo qual o importante é “ter algo” e não “ser algo”. A felicidade parece ser uma combinação, meio a meio, entre um processo interno (genético) e fatores externos, dependentes da vivência de cada um. Costumam ser mais felizes pessoas com renda satisfatória, empregadas, casadas, altruístas, bem como países com desenvolvimento equilibrado, sólida herança cultural e boa governança. Contudo, comparações sobre felicidade feitas por psicólogos em entrevistas com ganhadores de loteria, paraplégicos e pessoas sem essas condições, constataram mínimas diferenças. Em um determinado momento o indivíduo sente-se feliz, mas em outro pode ter um sentimento oposto, num movimento de vai e vem que reforça a aleatoriedade do processo.
Num texto em que procura explicar porque o dinheiro não compra felicidade, a revista Newsweek diz que o contrário é verdadeiro, ou seja, pessoas felizes acabam ganhando muito dinheiro. Na contramão, há os que se dedicam a medir atividades desagradáveis por meio do Unpleasant Índex que, num estudo com mulheres no Texas constatou que a cada dia 18% do tempo era desperdiçado dessa maneira. Embora o índice nada informe sobre felicidade, serve para identificar zonas de angústia e infortúnio, muito comumente exploradas por políticos que preferem remediá-las ao invés de oferecer possibilidades de realização pessoal e coletiva. As pessoas querem ser felizes e saudáveis, não necessariamente ricas, constataram psicólogos da Universidade de Leicester que em 2006 construíram o Mapa Mundial da Felicidade, afirmando que o conceito de felicidade, ou satisfação com a vida, é hoje uma importante aérea de pesquisa em economia e em psicologia positiva. É uma pena que nem todos possam ser felizes ao mesmo tempo ou a vida toda, mas não custa seguir tentando.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional