Guatemala se arrepende

Bem Paraná

A alegria das vítimas guatemaltecas pela condenação de seu maior algoz, o general Efraín Ríos Montt, durou pouco. Recolhido ao QG vip de Matamoros, lá só permaneceu lá por três dias. Declarando-se enfermo por problemas cardíacos e respiratórios, obteve a transferência para um hospital militar. No último dia 21, onze depois da sua condenação a 80 anos de prisão (50 por genocídio e 30 por crimes de lesa humanidade), a Corte Constitucional (CC) do país anulou a sentença por detalhes burocráticos (não teria ouvido todas as alegações da defesa), fazendo o julgamento retroceder à situação de 18 de abril, o que obrigará a repetição dos testemunhos finais e a emissão de nova sentença.

A decisão apertada, que desrespeita as decisões da 1ª. Instância, teve o voto favorável de Héctor Pérez Aguillera, presidente do novo tribunal, de Alejandro Maldonado Aguirre e Roberto Molina Barreto, e desfavorável dos juízes Mauro Rodríguez Chacón e Gloria Porras. Esta, acusou a Corte de prejudicar o desenvolvimento da justiça com sua manifestação tardia, extemporânea e contraditória em relação a seus pronunciamentos anteriores. Os advogados de defesa pedem a troca dos juízes e a imediata libertação do general.

A ONU, por meio de Navi Pillay, Alta Comissária para Direitos Humanos, afirmou ser lamentável que um veredicto de tal importância seja anulado por meros motivos de procedimento. Diante da incerteza legal sobre as reais implicações da decisão da CC, Pillay se disse preocupada com o direito das vítimas a obter reparações e reiterou as obrigações dos Estados em processar os responsáveis de genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade, fazendo questão de cumprimentar os sobreviventes e familiares dos 1.771 indígenas maias da etnia ixil (assassinados em 1982 e 1983 durante a presidência Ríos Montt), assim como aos advogados, magistrados e fiscais que levaram a cabo suas funções sob condições sumamente difíceis, enfrentando sérias ameaças e intimidações.

Representando o Centro de Ação Legal em Direitos Humanos, Pavel Gerardo Vega conversou com muitas das vítimas, encontrando-as desmotivadas e decepcionadas com a justiça guatemalteca pelo fato de que já se tinha uma sentença. Esta nova resolução é devastadora para a Guatemala. Na verdade, a decisão da CC – pouco importando a obscuridade que a caracteriza – é um capítulo a mais no confronto entre forças progressistas e ultraconservadoras, significando uma revanche para estas que não conseguiram fazer o processo voltar à estaca zero, mas anularam sua metade final. As atividades processuais que perderam validade (entre 18/4 e 10/5) dizem respeito somente às provas de defesa que consistiam em cinco testemunhas e dois vídeos, ademais da fase de conclusões e emissão da sentença. Não há, contudo, como prever o que acontecerá nesse que é um novo julgamento.

Recentemente, em janeiro deste ano, deu-se outro fato emblemático, com a concessão de liberdade ao sacerdote Mario Arantes que participou em 1998 do bárbaro assassinato do bispo dom Juan Jose Girardi, três dias depois de que ele publicara o documento Guatemala Nunca Más acusando o Exército por 90% das mais de 50 mil violações dos direitos humanos durante os anos da ditadura. Condenado a vinte anos, cumpriu dez, saindo da cadeia por bom comportamento.

Dentre os vários grupos sociais envolvidos na discussão, há os que se queixam da volta ao passado, os que temem ser julgados por seus atos – entre os quais se encontra o atual presidente Otto Pérez Molina que atuou no massacre dos ixiles – e os que não querem perder seus privilégios por alterações radicais do status quo (como os componentes da Cacif, poderosa associação que reúne os empresários dos setores agrícola, comercial, industrial e de operações financeiras) e que pressionam a CC, indiretamente beneficiando o velho ditador.

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional