Há menos de três meses o comando da Al Qaeda do Magreb Islâmico – AQIM – alertou que tropas francesas no Mali abririam as portas do inferno. Na última quarta-feira, dia 16 de janeiro de 2012, cerca de trinta homens da Brigada dos Mascarados sob o comando de Moktab Belmokhtar, Le Borgne (O Vesgo) ocuparam Tigantourine, na região central de In Amenas, o quarto maior complexo produtor de gás da Argélia, fizeram mais de 600 reféns e de imediato começaram a minar as instalações e a colocar coletes de bombas em si próprios e nos 41 estrangeiros capturados que, soube-se depois, haviam sido separados do grupo argelino.
No dia seguinte, sem qualquer negociação digna desse nome e sem detalhes sobre a localização de terroristas e prisioneiros, a ANP – Armada Nacional Popular, nome pelo qual são conhecidas as Forças Armadas da Argélia, lançou um furioso ataque pelo ar e pela areia do Saara num bombardeio e numa fuzilaria implacáveis que liberaram as instalações e a área das residências dos funcionários, deixando um trágico saldo de 81 mortos: 49 reféns e 32 mujahedins. Não negociamos com terroristas, nem hoje, nem ontem, nem amanhã, declarou o porta-voz do governo de Abdelaziz Bouteflika, no poder desde 1999.
Para compreender tamanho radicalismo é preciso, no curto prazo, retornar a Argel no começo da tentativa de transição democrática em 1988 quando a França, sempre com os Estados Unidos ao lado, optou pela estabilidade e pela repressão, impedindo a posse da Frente Islâmica de Salvação – similar à Irmandade Muçulmana, agora no poder no Egito – que vencera claramente o 1º turno nas eleições de 1991. Foi a senha para o fortalecimento do GIA – Grupo Islâmico Armado (deu origem ao atual AQIM) e para a guerra civil que tirou a vida de cem mil pessoas no restante da década.
As origens remotas estão no século XIX quando a França invadiu e transformou em suas colônias sucessivamente a Mauritânia e Senegal em 1815 e a seguir Argélia, Tunísia, Guiné, Costa do Marfim, Sudão francês que é hoje o Mali, Níger e Marrocos (este em 1912). A Conferência de Berlim de 1885 fez a partilha da África entre as potências ocidentais que dai em diante, usando a força para manter o controle, dedicaram-se a extrair ao máximo possível as riquezas existentes.
As colônias se tornaram países independentes em 1960, mas com raras exceções os governos locais reproduziram as práticas dos que os precederam. Recentemente, os erros continuaram. Nicolás Sarkozi manteve até o penúltimo momento seu apoio ao regime tunisiano afinal removido na Primavera Árabe. Em seguida veio o desastroso final da derrubada de Muamar Kadafi na Líbia, permitindo que milhares de mercenários antes a serviço do ditador se esparramassem pelos países do Sahel (região do pré-Saara, mais fértil, reúne 14 países), carregando consigo uma inacreditável quantidade de armas e munições.
O norte do Mali mostrou-se o lugar ideal para a proliferação do terrorismo. Ali, no ano passado os tuaregues tentaram fazer do território de Azawad a sua pátria. Perderam a batalha para o exército malinês e, em seguida, o domínio do movimento para os mais bem estruturados grupos de terroristas da Al Qaeda que passaram a ter como objetivo a formação de um Emirado salafita com capital na histórica cidade de Timbuktu, patrimônio da humanidade pela Unesco onde, com a implantação da sharia (a lei muçulmana), vieram a destruição de tumbas e monumentos, o impedimento de que mulheres freqüentem escolas, os castigos decepando mãos e pés de presumíveis ladrões e infiéis.
Uma reta na areia e nas dunas do Sahel e do Saara, como são as fronteiras traçadas pelos europeus na época da partilha, estende-se por 1.400 km entre o Mali e a Argélia. Porosa, não impede o contrabando de drogas, de armas e de gente. Moktab Belmokhtar, conhecido como mister Marlboro, fez fortuna transportando cigarros entre o mar Vermelho e o Atlântico e ultimamente intermediando cocaína vinda dos Andes. Tornou-se líder de uma pequena facção salafita que compete com muitas outras, como a Ansar Dine ou Defensores da Fé.
No entanto, a invasão francesa do norte malinês está produzindo uma gradativa união entre os grupos de alguma maneira relacionados à Al Qaeda. A expulsão dos terroristas do Mali não significa a paz para a África Ocidental que será, de ora em diante, palco de novas e terríveis guerras, à espera de soluções nos campos político e diplomático.