Políticos norte-americanos nem sempre fornecem bons candidatos para o Nobel da Paz, como já se podia antever em 1912, quando o primeiro deles foi agraciado: Elihu Root, que fora Secretário da Guerra e criara a Escola de Guerra da Armada nacional. Os organizadores já tiveram deslizes maiores, como na escolha de Henry Kissinger em 1973 quando só não dividiu a medalha com o vietnamita Le Duc Tho porque este se recusou a recebê-la, mas houve também momentos altos, por exemplo com Woodrow Wilson em 1919 por ter criado a Liga das Nações ou com Linus Pauling por sua campanha contra os testes de armamento nuclear em 1962. Agora, no entanto, o norueguês Thorbjoern Jagland acaba de dar uma nova e forte contribuição para a causa dos que desconfiam ou discordam dos critérios adotados pelo Comitê do Nobel por ele dirigido. Ao justificar a escolha de Barack Obama como Nobel da Paz em 2009, Jagland informou que o recém empossado presidente dos EUA efetuara “mudanças determinantes num curto espaço de tempo”. Traduzindo em miúdos, o Comitê decidiu premiar o país por ter-se livrado de George Bush e, como castigo, foi obrigado a ouvir uma defesa das guerras em geral como instrumentos para a paz, feita por quem acabara de decidir-se pelo envio de mais 30 mil homens em armas para o Afeganistão. É provável que por idéias e motivos semelhantes Mahatma Gandhi nunca tenha sido laureado.
A história nos ensina que períodos de paz, por duradouros e estimuladores do progresso que sejam, não conseguem evitar as guerras. Resumindo com rara precisão os idos tempos que antecederam a I Guerra Mundial (1914-1918), Geoffrey Blainey em seu livro “Uma breve história do século XX” editado este ano pela Editora Fundamento, lembra que numa época de boa-vontade global, o passaporte costumava ser considerado supérfluo. O czar orgulhou-se, em 1899, ao discursar em Haia, por ter proibido o uso de armas nos balões que cruzavam os céus da Rússia. Acreditava-se que a rede mundial de idéias e de comércio estava assegurando a manutenção da paz entre as grandes potências. Afinal, entre 1815 e 1914 a Europa não enfrentara nenhuma guerra generalizada (a exceção, na Criméia na década de 1850, limitou-se ao envolvimento da Rússia de um lado e de Turquia, França e Inglaterra de outro). Mesmo assim, as nuvens negras foram se acumulando pouco a pouco. Os terroristas de então eram os anarquistas que, antes de se desorganizarem de vez, morriam pela causa como os radicais islâmicos de hoje. Os antagonismos étnicos se aprofundaram até que em Sarajevo um patriota sérvio assassinou o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, desatando a I Grande Guerra, a maior de todas.
Hoje os conflitos são muitos, mas costumam ser localizados. Poucos se importam com o fato de que entre 8 e 10 milhões de africanos estejam envolvidos em pequenas ou grandes guerras que vão e vêm na República Democrática do Congo, Chade, Costa do Marfim, em Darfur, em Ruanda ou na Nigéria, Kenya, Somália, República Centro Africana, Guiné, Mauritânia, Burundi, Ruanda, Etiópia, Zimbabwe. Maior destaque recebem a Geórgia, a Abkhásia, o Kasaquistão, a Chechênia, o enclave de Nagorno-Karabakh entre outros, por estarem na perigosa zona de influência da Rússia de Vladimir Putin. Enquanto a produção de armas cresce sem parar, luta-se na Cachemira, na Índia e no Paquistão, no Nepal, na Palestina e no Iraque, ameaças se acumulam no Iran, na Coréia do Norte, no Cáucaso, no Yemen, nas fronteiras entre Venezuela e Colômbia, no México dos cartéis da droga, nas favelas do Rio de Janeiro e de muitas das grandes cidades latino-americanas. Segundo a ONG International Crisis Group e o Instituto Heidelberg para Estudos de Conflitos Internacionais, pelo menos 77 conflagrações agitam os cinco continentes. Alguma delas voltará a incendiar o nosso mundo?
Apesar das evidências, é preciso manter as esperanças não nos que insistem na guerra como remédio para alcançar a paz e sim nos que batalham em mil outros campos. Esta semana, sem qualquer incidente, no estádio de Bangabandhu na capital de Bangladesh, a seleção de futebol do Nepal, cujo governo é maoísta, derrotou por 3×0 a do Afeganistão, com dois gols do grande Amil Gurund no segundo tempo. Os afegãos preparam-se para a revanche no gramado e não nas trincheiras.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional