O ano de 2010 não foi bem o que Hugo Chávez esperava. Na arena política viu a vizinha Colômbia eleger presidente a Manuel Santos, que era o Ministro da Defesa de seu inimigo figadal, Álvaro Uribe, e em Honduras não conseguiu ajudar seu amigo Manuel Zelaya a retornar à presidência. Embora recentemente tenha reformado as Forças Armadas, mudado o Judiciário e nacionalizado centenas de empresas, a economia e a política nacional seguem instáveis. No primeiro trimestre a Venezuela enfrentou uma aguda crise no setor energético que fez o povo lembrar da falta de investimentos e dos problemas de gestão ao longo dos últimos anos. Com o sistema de geração de energia em colapso, Chávez decretou emergência nacional, apelou para o racionamento de luz e água, comprou usinas termelétricas da GE e da Siemens, decretou feriados para economizar energia, apagou as luzes nas ruas e mandou os venezuelanos tomarem banhos de três minutos e usarem lanternas para ir ao banheiro à noite. Em setembro o Partido Socialista Unido da Venezuela, o PSUV, chavista, obteve 5,4 milhões de votos nas eleições para a Assembléia Nacional contra 5,3 milhões da Mesa da União Democrática, MUD, oposicionista. Apesar do virtual empate técnico – a diferença foi de 0,75% dos votos -, graças ao sistema eleitoral instituído no ano passado o PSUV elegeu 98 deputados contra 65 da oposição e 2 da agremiação independente Pátria Para Todos, PPT (venceu no estado do Amazonas) que agora será o fiel da balança no parlamento único do país. O MUD, que não concorreu nas eleições anteriores, venceu em Zulia e empatou em Miranda, os dois maiores estados, conseguindo pelo menos impedir a conquista da maioria qualificada que permitiria aos governistas aprovar por decreto mudanças ainda mais radicais.
O presidente em seu estilo tão peculiar disse que a intenção do governo é de radicalizar e aprofundar a revolução bolivariana, não estando nos seus planos qualquer diálogo com a burguesia. Tanto estas declarações quanto uma série de medidas tomadas logo após as eleições – expropriação da Lubrificantes Venoco, da siderúrgica Sidetur, da indústria de vidros Owens-Illinois e de vários edifícios em construção – parecem refletir a adesão de Chávez às posições do seu mais novo assessor, o ideólogo trotzkista Alan Woods, com quem tem conversado com freqüência. Woods é um teórico político galês de 66 anos, líder do movimento Tendência Marxista Internacional e editor da revista Em defesa do marxismo. Em seus últimos escritos a respeito da Venezuela, recomendou expressamente ao PSUV aprofundar e acelerar a revolução, adotando no curto prazo providências como a nacionalização dos grandes bancos e monopólios, deixando de lado as pequenas empresas; criação de um banco estatal único dentro de um modelo de economia planejada e nacionalizada como se fez na extinta União Soviética, que considera ter tido um êxito colossal. Sugere, ainda, não dar qualquer importância aos reformistas e moderados que pedem calma, evitando contatos com a chamada burguesia progressista.
Para analistas como o jornalista Teodoro Petkoff (ex-guerrilheiro e candidato presidencial por duas vezes), editor do jornal Tal Cual, Woos é o mais recente de uma leva de assessores, quase todos de pequena monta intelectual, náufragos da antiga URSS que andam pelo mundo à busca de patrocinadores. Outros, como observa a revista colombiana Semana, acreditam que Chávez deve ser um cliente difícil, a considerar a quantidade de ideólogos-consultores que tem tido. Entre eles, em geral sociólogos, figuram o alemão Heinz Dieterich, criador do mote socialismo do século XXI e autor do livro La Cuarta Via al Poder sobre o caso equatoriano, hoje crítico da revolução bolivariana e tachado de reacionário pelos chavistas; a chilena Marta Hernecker (propôs um modelo de cooperativas que não vingou), o húngaro Istvan Meszaros e desde fevereiro o comandante Ramiro Valdés, ministro da Tecnologia de Cuba, que teria vindo para ajudar a debelar a crise energética mas é tido como um especialista em controle de informações divulgadas pela internet.
As relações com a imprensa continuam conturbadas. Referindo-se à cobertura da mídia internacional às eleições legislativas de setembro, Chávez discursou que a imprensa européia me dá asco e nem falar da gringa e da latino-americana, acrescentando duras acusações a Guillermo Zuluaga, presidente da TV venezuelana Globovisión que acaba de pedir asilo político aos Estados Unidos depois de ser acusado, sem provas reais, de ter oferecido 100 milhões de dólares a quem se dispusesse a assassinar Chávez. A justiça decretou sua prisão em junho e desde então o empresário estava foragido.
O grande desafio da política venezuelana a partir de agora é a eleição presidencial de 2 de dezembro de 2010. Hugo Chávez, então, terá completado 14 anos no poder e concorrerá a um novo mandato, com base na emenda constitucional que lhe assegura a possibilidade de reeleições permanentes. A oposição ainda não tem candidato, mesmo porque o último, Manuel Rosales, derrotado em 2004, teve de asilar-se no Peru depois de acusação não comprovada de enriquecimento ilícito. Os concorrentes mais prováveis, por ora, são os governadores do Distrito Federal, Antonio Ledesma (criador do MUD), de Miranda, Henrique Capriles e de Zulia, Pablo Pérez, o mais jovem, com 41 anos. Terão de unir-se e acreditar que remover Hugo Chávez do poder é uma tarefa possível.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional. Autor do livro Guerra en los Andes.
Assine
e navegue sem anúncios