Reeleição permanente é, no momento, o projeto prioritário para Hugo Chávez Frias que, depois de repetir incansavelmente, em seus longos programas “A voz do Presidente” ou em qualquer evento Venezuela afora, que “deixarei o governo quando Deus ou vocês quiserem”, exige que o Congresso aprove a lei que derruba a cláusula de barreira para novos mandatos sem limite de tempo.
Tecnicamente a Venezuela não é uma ditadura e não o será mesmo com a criação do Partido Único, que representa apenas a unificação dos grupos de apoio ao presidente. É uma democracia formal, com eleições e plebiscitos regulares, mesmo que nelas só exista um vencedor possível: Hugo. Os caraquenhos, em especial, gostam de luxo e de aparato: bons restaurantes, belos teatros, lindas praças e muitas estátuas, às quais se acostumaram desde o final do século XIX sob o reinado de Antonio Guzmán, o “Americano Ilustre”, que fez de Caracas uma pequena Paris, com Teatro da Ópera e tudo. Já não vivem o início dos anos sessenta, marcados pelas grandes orquestras, nem os anteriores anos áureos de explosão dos preços do petróleo, quando Andrés Pérez e Luiz Herrera Campins inauguravam obras, distribuíam dinheiro pelos países vizinhos, dando vida ao antigo sonho bolivariano da Grande Venezuela. Chávez não quer alterar esses costumes. Ao contrário, sorridente estimula-os dizendo: “divirtam-se, enquanto eu governo”.
A ditadura, no entanto, já faz parte do dia-a-dia dos venezuelanos. Por um lado, há o Executivo a exercer o comando sem freios, pois todos os demais poderes – Congresso (a Asamblea Nacional não tem deputados da oposição), Governos de estados e municípios, Sindicatos, Tribunal Supremo de Justiça, Ministério Público, Defensoria do Povo, Controladoria Geral da República, Justiça Eleitoral, Justiça Trabalhista – estão inteiramente submetidos à vontade e aos ditames chavistas e aprovam sem discussão suas idéias e propostas. O funcionalismo chegou a um ponto em que deve participar dos programas “Alô Presidente”, dos atos públicos e manifestações (as “Marchas”) a favor do governo se desejar manter os empregos. Por outro lado, está o poder militar, onipotente desde 1999, mas agora, beneficiado pelo fim da proibição de exercer simultaneamente a autoridade civil, assumiu uma presença decisiva nas várias estruturas administrativas nacionais e locais, o que inclui até mesmo a existência de juizes e magistrados de farda na justiça comum. Além dos Ministérios civis da Justiça (um capitão), Comunicações (tenente) e Habitação (coronel), um sem número de oficiais da ativa e da reserva ocupam posições-chave na máquina de governo. Ao lado da incorporação de termos militares ao linguajar oficial e popular (programas são “missões” executadas por “brigadas e unidades” e toda eleição é uma “batalha”), há o forte aumento dos gastos com armamentos e a formação de uma força de reserva, por ora de caráter civil, que é treinada no uso de armas e se exercita para enfrentar o inimigo (Bush e seus mariners?) que algum dia invadirá o país.
O gasto público aumentou quase sete vezes durante o atual boom do preço do barril de petróleo, passando de 7 milhões de dólares em 2003 para 47 milhões em 2006. As recentes quedas nas cotações internacionais não afetaram o caixa venezuelano que continua abastecendo regiamente os amigos de Chávez na Bolívia, Equador, Cuba e Nicarágua (além das forças de oposição em países vizinhos de governos conservadores e investimentos, p.ex., na Argentina, Uruguai, Brasil) e subsidiando programas de inclusão social, acesso à educação e à saúde, aumentos salariais a funcionários e a militares. A economia venezuelana vem crescendo num ritmo de 9% ao ano, mas não consegue traduzir tanto sucesso em maior bem-estar para a população. É verdade que a pobreza extrema diminuiu de 17% em 1999 quando Chávez chegou ao poder para 15% em 2006 (a pobreza passou de 43% para 40%), mas isso significa que mais de 4 milhões de pessoas estão em condição de miséria absoluta. Segundo o último relatório da Human Rigths Watch, não há melhoras na qualidade da educação, nos índices de desnutrição e no déficit habitacional, sendo persistentes as longas filas para cirurgias e atendimentos eletivos assim como a cobrança por fora de atendimento nos serviços públicos de saúde. Isso ocorre apesar de o governo ter gasto, somente no ano passado, mais de 6 milhões de dólares nas Misiones (programas de saúde e educação para os pobres), aprovadas pela grande maioria do povo.
Diante desse quadro Chávez não parece perder o bom humor. Diverte-se trocando ministros, substituindo prefeitos por comitês de cidadãos, ameaçando os Estados Unidos, estimulando o tradicional rechaço dos venezuelanos aos vizinhos argentinos e brasileiros e falando na implantação de um socialismo que, assim espera, assegurar-lhe-á a manutenção do poder até o fim dos tempos.
Vitor Gomes Pinto
Escritor, Analista internacional
Autor dos livros ZIM: Uma aventura no sul da África e Guerra en los Andes