Imprensa venezuelana sob pressão chavista

Bem Paraná

Hugo Chávez sempre age como um coronel em frente aos soldados: dá ordens e quer ser obedecido. Quando não o é, castiga a quem, na sua opinião, infringiu as regras que ele próprio estabeleceu. Narcisista, não costuma esquecer os que o ofendem ou que conseguiram derrotá-lo, sendo capaz de remoer a raiva por longo tempo até que a oportunidade de vingança aparece. É possível que tudo passasse despercebido se o cenário fosse algum obscuro quartel e não a Venezuela, na qual ele hoje manda e desmanda sem freios, sem que haja sequer algum general que o possa controlar.
Sentindo-se fortalecido, resolveu dar o troco na Rádio Caracas Televisão, a RCTV, cassando-lhe a permissão do canal que mantinha desde 1.953 (é o mais antigo do país). Saem do ar os programas de variedades, os noticiários e as novelas com as quais os venezuelanos conviviam em seu dia-a-dia. “O Direito de Nascer” com Conchita Obach e Raúl Amundaray ficou dois anos no ar na década de setenta e, agora, são interrompidas “Mi prima Ciela” e “Camaleona”, de grande sucesso popular.
Respondendo, no linguajar que o tem caracterizado, à reprimenda do Parlamento Europeu que criticou sua “nula predisposição ao diálogo”, Chávez discursou: “chovam, trovoem, relampagueiem, chorem ou não chorem os oligarcas, que no domingo (dia 27 de maio) acaba a concessão da RCTV”. Explicação mais clara foi dada pelo Ministro da Cultura, William Lara, para quem a emissora difundiu propaganda política sob o envoltório de informação política, principalmente em 2002 durante a greve e o golpe de estado e na recente campanha presidencial. Esqueceu de dizer que a propaganda era e é permitida e que os noticiários seriam considerados imparciais em qualquer país democrático.
As reações internacionais têm sido intensas. O Secretário Geral da OEA, José Miguel Insulza, pediu formalmente que a RCTV não fosse retirada do ar, embora observando que as concessões de televisão são uma atribuição do Estado. A Comissão de Política Exterior do Senado norte-americano expressou profunda preocupação com o que considera ser um assalto contra a liberdade de expressão que não pode ser aceita pelos países democráticos. A Organização Repórteres Sem Fronteira, com sede em Paris, cumprimentou efusivamente a posição crítica assumida pelos parlamentares europeus. Jornalistas reunidos no Instituto de Imprensa e Liberdade de Expressão (IPLEX) na Costa Rica solidarizaram-se “com o pessoal da RCTV e com todos os que, apesar das limitantes circunstâncias políticas e institucionais da Venezuela, mantém ativa a vontade de serem livres”.
Em Caracas milhares de pessoas de múltiplas tendências (exceto os Círculos Bolivarianos) marcharam sábado e domingo com mordaças e cartazes de “No al silencio”. Outro canal – Globovisión – cujo diretor, Alberto Ravell, pedira ao povo que apoiasse as manifestações contrárias ao fechamento da emissora irmã, teve sua sede atacada e pichada por grupos encapuzados pró-governo. À noite buzinaços pela liberdade de expressão sacudiram a cidade. Enquanto isso, o governo promovia uma festa comemorando o nascimento da TV socialista TVes e a morte da RCTV.
 O Plano Nacional de Telecomunicações prevê a construção de um homem novo, rompendo o esquema capitalista por meio da expansão da capacidade de comunicação do governo com a instalação de 30 novas rádios e 5 TVs comunitárias e uma TV de serviço público, com um polpudo orçamento de 1 milhão de dólares para 2007. O governo já dispõe de quatro emissoras de televisão há vários anos, retomou a freqüência do canal Vale TV e implantou, entre outros projetos, a Telesur, cujo presidente, Andrés Izarra, expôs sem qualquer pudor, o plano: “propomos uma hegemonia comunicacional e informacional do Estado, que um grupo cultural convença aos outros de seus valores, princípios e idéias”.
É um projeto de domínio estatal dos meios de comunicação venezuelanos que já incluiu a reorientação programática das estações Benevisión e Televén que agora apóiam o chavismo, a retirada de apoio financeiro e da propaganda oficial na Globovisión e o surgimento de novos canais claramente favoráveis às iniciativas oficiais, como a Assembléia Nacional TV, Vive e Ávila TV. Chávez quer evitar a repetição do ambiente que originou o golpe que o tirou por 72 horas do poder em 2002, e trava o que chama de uma batalha para implantar um novo modelo político na Venezuela e, para isso, o setor de comunicação é fundamental.
No Brasil, o governo federal e o próprio Partido dos Trabalhadores, que já tentaram emplacar um projeto de controle da imprensa, preferem manter total silêncio a respeito dos acontecimentos no país vizinho. Um pouco diversas são as atitudes de Rafael Correa no Equador e de Evo Morales na Bolívia, que quase diariamente atacam as respectivas mídias nacionais e se estruturam para seguir os exemplos e orientações do líder bolivariano, se possível em bem menos tempo.


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional