Setenta anos atrás, em abril de 1940, a NKVD de Lavrentiy Beria, predecessor da GKB soviética, seguindo ordens dadas por escrito por Josef Stalin, assassinou um por um e em geral com um tiro de graça na nuca a cerca de 27.500 militares, policiais e intelectuais poloneses que eram prisioneiros, entre outros, nos campos de concentração de Ostaszkov, Starobielsk e Kozielsk Durante quarenta anos a Rússia colocou as culpas do massacre na Alemanha nazista, até que Gorbachev confessou e abriu os arquivos secretos em Moscou. No último dia 10 quase todo o primeiro escalão polonês, com o Presidente Lech Kaczynski e sua esposa Maria à frente de uma comitiva de 96 pessoas, decidiu embarcar na aeronave presidencial – o velho, mas recém reformado Tupolev 145 – rumo ao aeroporto de Smolensk em cujos arredores, na floresta de Katyn, a maioria das vítimas pereceu. Em meio a intenso fog, o piloto fez três tentativas de aterrissar sem sucesso e decidiu seguir para Minsk em Belarus onde as condições tecnológicas da base eram melhores, mas provavelmente por pressão dos políticos que não queriam perder tempo desceu uma vez mais para chocar-se com uma árvore e espatifar-se no solo. Ninguém sobreviveu. Para Lech Valesa, o criador do movimento anticomunista Solidariedade, um segundo Katyn golpeou a Polônia fazendo-a perder sua elite. Na época, estima-se que 1,5 milhão de poloneses foram deportados e morreram na Sibéria, mas os únicos a merecerem a vingança assinada por Stalin foram os de Katyn.
Seguindo o que reza a Constituição, eleições antecipadas realizaram-se no domingo. Venceu o ex-presidente do Congresso (estava no exercício da presidência), Bronislaw Komorowski, 58 anos, do partido Plataforma Cívica, o mesmo do 1º Ministro Donald Tusk, com 45,7% dos votos, seguido pelo irmão gêmeo do presidente falecido no desastre, Jaroslaw Kaczynski, com 33,2%. Dentre os demais oito candidatos, surpreendeu Grzegorz Napieralski, da Aliança Democrática de Esquerda com 13,4% o que o faz o fiel da balança para o 2º turno de 4 de julho próximo. Os dois primeiros foram forjados no Sindicato Solidariedade, têm um largo currículo de luta contra a ditadura comunista e são politicamente contrários à Rússia, o grande pesadelo polaco. Komorowski é tido como um moderado de centro-direita e seu discurso é liberal e pró aliança com a União Européia, da qual a Polônia faz parte desde 2004. Jaroslaw, líder do ultraconservador partido Lei e Justiça sempre foi o mais duro dos gêmeos e como 1º Ministro no governo do irmão caiu há três anos devido a suas atitudes agressivas contra Alemanha e Rússia, obsessão por eliminar a herança do comunismo e defesa radical em demasia da religião católica. Em princípio, o favoritismo permanece com Komorowski que deve obter o apoio da esquerda, mas ninguém esquece o ocorrido em 2005, quando os resultados do 1º turno surpreendentemente inverteram-se no 2º ocasionando a derrota da Plataforma Cívica.
Os Estados Unidos e a Europa acompanham preocupados a evolução do pleito polonês muito mais por razões econômicas do que ideológicas. Desde a independência do Azerbaijão, Casaquistão e Turkomenistão, estados que compõem a bacia energética do mar Cáspio, tornou-se crítica a posição da Polônia devido ao seu poder potencial de interromper o fluxo do petróleo e do gás que a Rússia exporta para a Europa. Quando, recentemente, Barack Obama disse que não mais instalaria na Polônia e na República Checa o sistema de defesa conhecido como escudos antimísseis projetado por George Bush, a manchete dos jornais de Praga, Varsóvia e Bucareste foi de que os EUA traíram a Europa Oriental para agradar a Rússia.
Duas grandes dúvidas permanecem no ar. Na Polônia quem governa é o 1º Ministro, embora o presidente tenha o poder de veto e possa em condições extremas dissolver o Parlamento. Há três anos vigora uma política de coabitação entre os dois maiores partidos com os Kuczynskis e Donald Tusk suportando-se no dia-a-dia. Diz-se que essa composição não mudará seja qual forem os resultados das eleições, mas poucos são os que acreditam nessas palavras. O outro problema está nas conseqüências que o desastre de Smolensk terá sobre o imaginário da população, fazendo-a, talvez, retomar adormecidas raivas contra os russos. Numa reunião com Bush, Vladimir Putin referiu-se à Ucrânia com um país que não existe, refletindo o sentimento de que quando seu país recuperar a força novamente agregará os territórios das nações que se desgarraram após a queda do muro de Berlim. As desconfianças persistem e nem Jaroslaw nem Bronislaw prometem reduzir as tensões.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional