Vítima primeiro da própria imprudência e, depois, das trapalhadas do primeiro-ministro francês Dominique de Villepin e da inflexibilidade do presidente colombiano Álvaro Uribe, Ingrid Betancourt completou cinco anos como principal prisioneira e troféu de guerra das Farc colombianas.
Em 23 de fevereiro de 2002, o então presidente Andrés Pastrana recém entregara os pontos, desistindo da quimera que marcara seu governo: conseguir a paz com a guerrilha. Ao sul, o território livre de San Vicente del Caguán (do tamanho da Suíça), governado pelas Farc por delegação oficial, afinal fora fechado e as Forças Armadas o cercavam na tentativa de expulsar o inimigo que, no entanto, mantinha o controle sobre as estradas de acesso.
Em plena campanha presidencial, mas com pouco mais de 1% das intenções de voto, Ingrid (candidata do partido nanico Verde Oxigeno que já fora a senadora mais votada do país) e sua vice Clara Rojas tentavam uma jogada de efeito para assombrar o eleitorado com sua coragem, colocando a cabeça na boca do leão ao visitar exatamente Caguán. O carro em que viajavam, uma Toyota 4×4, foi parado por um destacamento militar que avisou: dali em diante a terra era de ninguém, ou melhor, das Farc, e não podiam dar-lhes segurança. “Não prossigam!”.
Ingrid, teimosa, ordenou seguir em frente. Clara concordou. E nunca mais foram vistas.
Em julho de 2003 Villepin mandou um Hércules C-130 para Manaus, carregado de dinheiro e armamentos para entregar às Farc em troca da libertação de Ingrid, então como hoje uma heroína na França. Deu tudo errado quando a revista brasileira Carta Capital descobriu a farsa e na selva amazônica os guerrilheiros afinal compreenderam a preciosidade que tinham nas mãos.
Uma gigantesca foto de Ingrid no centro de Paris mostra que os franceses não a esquecem. Enquanto isso, Uribe não negocia, quer resgatá-la a força. Para piorar as coisas, numa tentativa de esconder sua incapacidade e livrar-se do compromisso de libertar a principal presa política da Colômbia, passou a dizer que “provavelmente ela foi levada pelas Farc para outro país”.
“Graças a Deus, porque aqui não será libertada nunca”, respondeu Yolanda Pulecio, a mãe de Ingrid.
De acordo com os dados oficiais, que escondem uma boa parte da realidade, nos últimos dez anos, de 1997 a 2006, as Farc seqüestraram 6.500 pessoas, o Exército de Liberação Nacional 5.182 e os paramilitares 4.948, enquanto outras 5.476 sumiram nas mãos de revolucionários ou esquadrões da morte dissidentes. Do total de 22.306 seqüestrados, 14% (3.071 pessoas) permanecem na selva em regime de escravidão e 5% foram mortos. Apenas 350 conseguiram fugir, entre eles o ex-Ministro do Desenvolvimento, Fernando Araujo Perdomo, que em janeiro último aproveitou um raro momento de descuido dos seus captores durante uma ofensiva do exército e, após seis anos como prisioneiro das Farc, reencontrou o caminho para Bogotá. Num puro golpe de marketing, o presidente acaba de nomeá-lo como o novo chanceler, em substituição a Consuelo Araujo que caiu porque sua família está envolvida com os paramilitares de direita. “É para melhorar nossa imagem perante o mundo”, comentou, sem pudor, Uribe.
Embora a quase totalidade dos capturados seja de nacionais, outros 47 países contribuíram com seus cidadãos para alimentar uma guerra que combina sonhos revolucionários com o dia-a-dia do tráfico de drogas. Há 29 norte-americanos e até 7 brasileiros (dois mais foram seqüestrados em 1996).
A Colômbia continua seu calvário e os colombianos, esquecidos do que é a paz, assistem a guerrilha completar 41 anos, viva, sem dar trégua.
Vitor Gomes Pinto
Escritor, Analista internacional
Autor do livro “Guerra en los Andes”