Invasão russa na Geórgia

Bem Paraná

Não se pode dizer que Mikhail Saakashvilli, o presidente eleito da Geórgia, teve uma boa idéia ao tentar recuperar o domínio sobre o montanhoso território da Ossétia do Sul, nas faldas do Cáucaso que divide seu país da Rússia. Calculou mal três vezes: uma, ao imaginar que atacando no dia da abertura das Olimpíadas de Pequim aproveitando que lá estava o todo-poderoso Vladimir Putin, obteria uma vantagem decisiva pelo efeito surpresa; outra por querer, com um exército de 32 mil homens, derrotar um adversário cuja armada dispõe de 814 mil efetivos; enfim, por contar com apoio de seu amigo Bush num momento em que os EUA estão atolados no Iraque e no Afeganistão e em plena campanha eleitoral, sem a menor intenção de assumir um confronto nos quintais da velha União soviética. Isso não significa que não tenha razão, mas está longe de impedir que seja massacrado pela ofensiva ordenada por Putin e obedientemente subscrita por seu “segundo”, o presidente Dmitri Medvedev.


A briga vale a pena? Afinal, as riquezas da Ossétia do Sul limitam-se ao cultivo de frutos e cereais nas suas poucas terras baixas e à criação de carneiros na montanha, o território tem apenas 3.900 km2 e população decrescente hoje em 70 mil habitantes (100 mil em 1989), dos quais apenas 20% são georgianos que recebem víveres e subsídios do governo central de Tiblisi. Os outros 80% estão na capital provincial Tskhinvali e na fronteira com a província russa da Ossétia do Norte, sendo ostensivamente sustentados por Moscou que primeiro lhes concedeu cidadania russa e depois passou a considerá-los como cidadãos que necessitam ser defendidos. Tanto lá quanto em qualquer canto da Rússia basta ter sobrenome georgiano (Kartveli, Imereli, Guruli, Rachveli) para ser perseguido. Cada grupo tem governo próprio. No entanto, a guerra é entre governos e não entre povos. Nas últimas décadas houve uma grande miscigenação, com casamentos que formaram famílias multiétnicas as quais se visitam regularmente e pertencem a igrejas similares (ortodoxa georgiana e russa). Em verdade, o governo da Geórgia tentou mostrar aos americanos e à ONU que tem domínio sobre seu território a fim de consolidar o projeto de fazer parte da OTAN. A Rússia que não dá chance à autonomia da Chechênia e até hoje não aceita a independência do Kosovo, opõe-se drasticamente às tendências ocidentalistas do presidente Saaskashvilli.


A caótica situação no Cáucaso não se resolve em boa parte devido à debilidade da ONU e da própria OTAN que não conseguem impor suas decisões. As Nações Unidas formalmente reconhecem que tanto a Ossétia do Sul quanto a Abkhásia pertencem à Geórgia e as autodeclarações de independência mais de uma vez feitas por essas províncias nunca foram reconhecidas por qualquer país. O Compromisso de Istambul de 1999 produzido pela OTAN exigiu a retirada das tropas de Putin da Moldávia e da Geórgia. No entanto, ambas aceitam passivamente a permanência em Tskhinvali e em Sokhumi (capital da Abkhásia) de “forças de paz internacionais” que nada têm de neutras, pois que são compostas predominantemente por soldados russos que atuam sempre a favor de seus aliados locais. Os Estados Unidos, aliados da Geórgia, até aqui se limitaram a desaforos diplomáticos. Seu representante na ONU, Zalmay Khalitzod, diante do comentário feito pelo 1º ministro russo em conversa telefônica com Condoleezza Rice de que “Saaskashvilli precisa ir embora” perguntou frontalmente ao embaixador Vitaly Churkin se era objetivo de seu governo derrubar o governo democraticamente eleito da Geórgia e recebeu uma resposta evasiva. Na prática, um cessar-fogo assinado pelo presidente da Geórgia não foi aceito por Putin que, ao contrário, ordenou que a invasão prosseguisse, lançando seus tanques sobre Gori, cidade industrial situada a 70 km da capital Tbilisi que agora é defendida unicamente por barreiras armadas em Mtskheta, 24 km adiante. Sem possibilidade de resistência diante da superioridade esmagadora do adversário, o governo georgiano passa a ter como prioridade evitar a repetição do processo de limpeza étnica ocorrido em 1993 na Abkhásia quando 30 mil de seus compatriotas foram assassinados (inclusive o 1º ministro e membros do gabinete) e 250 mil expulsos. Os ossétios dizem que, se derrotados, da mesma forma seriam etnicamente eliminados. Não há inocentes nesta história, mas a estas alturas é necessário que forças internacionais – diplomáticas ou militares – impeçam a tomada da Geórgia pela Rússia de Putin e Medvedev.