O Iraque voltou a produzir petróleo e com isso seu PIB cresceu 9,1% no ano passado. Quando, em 20 de março de 2003, os Estados Unidos com apoio do Reino Unido, Espanha, Itália, Polônia e Austrália iniciaram a intervenção com o objetivo real de derrubar o regime para se apossarem das reservas de óleo do então 3º maior produtor mundial, as justificativas – nunca comprovadas – apresentadas por George Bush, Donald Rumsfeld, Dick Cheney, Colin Powell e Condoleezza Rice iam da presença de armas químicas de destruição em massa à ligação de Saddam Husseim com o terrorismo da Al Qaeda. Apenas 43 dias depois o presidente norte-americano pomposamente declarou o fim dos combates, com a ressalva de que prosseguiria a guerra contra o terrorismo. Seguiu-se a captura de Saddam, sua execução, a transferência do poder a uma regência iraquiana e as primeiras eleições multipartidárias dos últimos cinqüenta anos. Longe da paz, o país assistiu horrorizado a uma sequência de atentados de grandes proporções (a um templo chiita em fevereiro de 2006 e depois contra uma minoria religiosa curda com 400 mortos) e em todas as televisões as imagens das humilhações a que militares ianques submeteram seus prisioneiros no cárcere de Abu Ghraib, onde pouco antes o ditador torturava suas vítimas.  Em dezembro de 2011 as tropas americanas foram retiradas por Barack Obama, mas já era tarde, pois o mal estava feito.

 A ocupação acumulou erros e mentiras em série. O coronel James Steele teria sido enviado pelo Pentágono com a missão de criar esquadrões da morte chiitas para perseguir inimigos étnicos. Os saques ao Museu Arqueológico e à Biblioteca Nacional não foram impedidos pelos invasores, ocupados em proteger a Zona Verde, luxuosa área central onde o QG norte-americano instalou-se nos mesmos palácios onde estivera a ditadura, com o cuidado de erguer à sua volta muros de concreto com seis metros de altura. A prova maior de inabilidade e desrespeito às tradições veio com a dissolução das Forças Armadas iraquianas e a demissão dos funcionários do até então governista partido Baath, liquidando qualquer chance de consolidar uma máquina administrativa minimamente razoável. As declarações inverídicas prestadas pelo Secretário de Estado Colin Powell diante do Congresso Nacional e a ONU e o decidido respaldo do 1º Ministro Tony Blair completaram o circo e a tragédia que ao final causou 122 mil vítimas civis (600 mil segundo The Lancet) e gastos estimados de até 2,2 bilhões de dólares. Ainda assim, segundo pesquisa feita nesta semana pelo Gallup, 44% dos americanos que responderam continuam achando que a guerra não foi um equívoco.

Os americanos obtiveram rentáveis fatias dos negócios em áreas de segurança, refino, eletricidade, infraestrutura, mas o petróleo iraquiano agora está dividido basicamente entre a holandesa Shell e a britânica BP, com presença importante da francesa Total, da russa Lukoil e da chinesa Petrochina. A única empresa dos EUA com alguma significância é a Exxon que está no sul, mas seu acesso aos poços do Curdistão foi bloqueado pelo governo.

Hoje reina o caos num país inundado com o dinheiro para a reconstrução que não chega onde é mais necessário, pois o Iraque é o 169º entre 174 países pelo Índice de Corrupção. No governo de coalizão a figura mais importante é o 1º Ministro Nouri al-Maliki, muçulmano chiita assim como 60% da população, com forte apoio do vizinho Irã; o presidente é o curdo (17% dos iraquianos) Jalal Talabani e o presidente do Conselho dos Representantes é o sunita (20%, sendo cristãos os 3% restantes) Usama al-Nujayfi. Os únicos satisfeitos são os curdos, que em geral são sunitas, pois nunca tiveram uma posição política de tal relevância e administram com autonomia o norte do país onde estão as grandes reservas de petróleo. Chiitas e sunitas adotam idênticas práticas religiosas, cultuam o mesmo Deus único e seguem o Corão, mas são incompatíveis e guerreiam entre si desde a morte de Maomé no ano 632, pois só os primeiros têm como líder espiritual um descendente direto do profeta. Sunitas alawitas exerceram o poder com Saddam e agora dizem que Maliki é um criminoso e multiplicam cada vez mais os atentados por todo o país para desestabilizá-lo. A guerra imposta pelos republicanos nos tempos de George W. Bush deixou como herança a desmoralização do método de intervenção internacional para resolver problemas de governos nacionais, por mais ditatoriais e genocidas que sejam. O Iraque, um dos países mais ricos do mundo, ainda não se encaixa por inteiro no rol das sociedades falidas e fracassadas. Talvez se puder cuidar de si próprio alcance a redenção.