Na semana passada, George Bush ao visitar a Albânia, logo depois de ter seu relógio de pulso afanado por um esperto fã, colocou lenha em duas violentas fogueiras do xadrez internacional ao defender a imediata separação do Kosovo do território da Sérvia.


Chegou ao limite de afirmar que “as Nações Unidas deveriam conceder a independência rapidamente e, se a Rússia bloqueá-la, o Ocidente deveria agir”. A isso se seguiram manifestações do chanceler russo Sergey Lavrov e do próprio presidente Putin, dizendo que se uma resolução da ONU não tiver a concordância da Sérvia (seus líderes já informaram que não aceitam, embora oferecendo plena autonomia) também não teria a da Rússia, o que a levaria a impor o veto no conselho de Segurança. Suas razões: o temor de que ao desatar o nó kosovar nos Bálcãs reacendam-se as paixões mantidas por um fio em equilíbrio no Cáucaso, provocando novas guerras pela independência na Abkhásia, em Nagorno Karabakh, na Ossétia do Sul, no Trans-Dniester e, naturalmente, na Chechênia. São realidades distintas sustentadas pela base comum de uma longa tradição de conflitos étnicos, mas sobre o Cáucaso falaremos na semana que vem.


Kosovo, com uma população de 2 milhões de habitantes, pelo menos 90% dos quais de etnia e idioma albanês, é uma província  no extremo sudeste da  Sérvia (limita com Montenegro, Albânia e Macedônia) que não a quer perder porque ali estariam as raízes da raça. Argumenta que seu povo só saiu de lá na penúltima década dos anos 1.300 porque foi expulso pelos turcos.


O primeiro erro cometido pelos estrategistas globais ocorreu em 1912 quando, depois de 523 anos sob domínio do império otomano, o Kosovo foi integrado à Sérvia e não à Albânia. Durante o curto, mas trágico, intervalo da 2ª Guerra Mundial, entre 1941 e 1944, sob domínio italiano o Kosovo viu-se anexado à Albânia. No entanto, o segun do erro histórico não tardou a acontecer, então na Iugoslávia de Josip Broz Tito, que pacificou o país garantindo direitos iguais à Eslovênia, Croácia, Sérvia, Bósnia-Herzegóvina, Macedônia e às “regiões autônomas” de Voivodina e Kosovo.


Com a debacle da URSS e a intensa movimentação separatista das então repúblicas soviéticas, o Kosovo declarou inutilmente a própria independência em 1991, não reconhecida pela comunidade internacional e muito menos pela Sérvia que, sob a liderança de Slobodan Milosevic , oito anos depois – tão logo encerrou a violenta guerra da Bósnia – partiu para uma ofensiva radical cujo objetivo era promover uma limpeza étnica na província. As atrocidades cometidas – por muitos comparadas com as dos nazistas de Hitler – foram de tal ordem que forçaram o exílio de 700 mil albaneses étnicos e por fim a intervenção da ONU e da OTAN. Após 78 dias de intenso e indiscriminado bombardeio os sérvios foram rechaçados, transformando o Kosovo em uma região com governo próprio, mas ocupado por uma força internacional de paz que não evitou a vingança kosovar, da qual resultou uma fuga em massa da população sérvia. A minoria que até hoje permanece, cerca de 150 mil pessoas, sobrevive graças à proteção atenta dos capacetes azuis. Milosevic mais tarde foi capturado e levado a Haia para responder perante o Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia por crimes de lesa humanidade. Advogado, organizou a própria defesa que apenas começou a ser feita quando um ataque cardíaco fatal o vitimou.


O representante da ONU e ex-presidente da Finlândia, Martti Ahtisaari, após quatorze meses de tentativas de mediação entre o governo sérvio e a liderança étnica albanesa do Kosovo, apresentou seu relatório afirmando que os oito anos de administração internacional devem terminar e que a província não pode retornar à soberania da Sérvia, sendo já tempo de definir o seu status, propondo que assuma a “condição de Estado” o que corresponde a ter todas as condições exigidas para um país independente: Constituição, Banco Central, Moeda própria, Controle do espaço aéreo, uma Bandeira e um Hino nacional. Não obstante o fato de que no documento não constem as palavras “independência e soberania”, Ahtisaari declarou ao jornal francês Le Monde que manter a ambigüidade sobre a situação política do Kosovo colocará em risco a paz e a estabilidade da província e dos Bálcãs em geral.


O processo deverá ser supervisionado por uma missão da União Européia, mas ainda nada está resolvido. A resistência da Sérvia tem outros motivos, ligados à preservação do orgulho e da dignidade nacionais. Afinal, depois de ter herdado o que restou da ex-Iugoslávia, viu-se obrigada a assistir, impotente, às sucessivas separações da Eslovênia, Croácia, Macedônia, Bósnia-Herzegovina e, no ano passado, até mesmo da minúscula Montenegro. Restam-lhe, além da região central que corresponde a  68% da área atual do país, o Kosovo ao sul com 13% e a Voivodina ao norte com 19%, mas esta é outro caldeirão cultural, com significativa população húngara, e que igualmente busca mais liberdade. A Europa segue pagando um alto preço pela insistência em manter linhas de limites geográficos que ignoram suas etnias. 


 


Vitor Gomes Pinto


Escritor, analista internacional