O fantasma de Leopoldo Galtieri, o 4º General a governar a Argentina no período da ditadura militar, volta a assombrar os mares da Antártica em volta das Malvinas/Falklands, com breves aparições em Buenos Aires, Londres e até mesmo em Cancun onde a Cúpula dos chefes de Estado da A. Latina e do Caribe – Lula da Silva à frente – apoiou a eterna reivindicação argentina pela posse das ilhas. Repetindo o ato de seu marido Néstor que inutilmente levou o tema à ONU em 2003, a presidente Cristina Kirchner despachou seu ministro das relações exteriores Jorge Taiana para Genebra onde o Secretário-Geral da ONU Ban Ki-moon, após 40 minutos de entrevista, prometeu conversar com os ingleses, desta feita para discutir a decisão britânica de prospectar petróleo nas águas do Atlântico Sul. Em 2 de abril de 1982 Galtieri, um conhecido amigo do bom whisky escocês (diz-se que, então, um invejável estoque de scotch ocupava os porões da Casa Rosada), ordenou o desembarque das tropas argentinas nas ilhas. Estive em Buenos Aires à época e recordo da loucura nacionalista que tomou conta dos portenhos. Mulheres com suas jóias, jovens com motocicletas, faziam enormes filas para doá-las ao governo do ditador a fim de apoiar o esforço de guerra. Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, fazendo jus à fama, esmagou o ataque e a rendição foi assinada pelo comandante Menéndez 73 dias depois. A ditadura caiu em seguida e o general, condenado à prisão e logo indultado por Menem, viveu até 2003 quando um câncer de pâncreas o derrotou.
A Argentina ocupou as ilhas em 1820 para instalar uma colônia penal, mas os ingleses as retomaram em 1833 e nunca mais as devolveram. Hoje, a população se resume a 600 mil ovelhas, um milhão de pingüins e 3.150 pessoas, pelo menos 90% das quais descendentes de ingleses, alem de alguns poucos chilenos, franceses, gibraltenses e pastores vindos da ilha de Santa Helena. Nenhum argentino. Como resquício da guerra há cerca de 18 mil minas terrestres enterradas pelos argentinos (até o momento não mataram ninguém). A exportação de lã, a pesca e o turismo tornam o território ultramarino, que pertence à Coroa britânica, economicamente autossustentável. Algo entre 15 e 60 bilhões de barris de petróleo estariam esperando por quem conseguir extraí-los do fundo do mar (a produção anual argentinas é de 240 milhões de barris). A tentativa anterior, doze anos atrás por uma empresa norueguesa, foi um total fracasso, mas agora as britânicas Desire Petroleum e Ocean Guardian dizem que têm mais dados e mapas e que na área escolhida, entre 100 e 150 km ao norte das Malvinas, no prazo de até oito meses a perfuração terá sucesso.
Três posições estão em confronto no arquipélago composto por duas maiores e mais de 700 ilhas menores situadas a cerca de 340 km da Terra do Fogo e a 940 km da Antártica. Os argentinos acham que estão sendo roubados, que a decisão britânica é ilegal e os kelpers como denominam os ilhéus não têm direito a opinar sobre o destino da terra onde vivem. Os ingleses dizem não ter dúvidas quanto à sua soberania sobre as Falklands (incluem as ilhas George e Sandwich), defendem o direito à autodeterminação dos residentes e apóiam seus desejos de explorar o petróleo disponível. Por fim os ilhéus, que detestam ser chamados de kelpers, consideram-se ingleses legítimos e pretendem reagir ao que chamam de neo-colonialismo argentino. Para isto, estão bem armados e contam com as forças inglesas que acabam de ser reforçadas. O circo está sendo armado. Cristina bloqueou os portos a navios que se dirijam pelo lado oeste às Malvinas, em mar territorial argentino, mas a medida tem efeito nulo, pois os acessos pelo norte, sul e leste estão livres e o abastecimento pode ser feito em portos chilenos, uruguaios e sul-africanos ou nas ilhas de Assunção e Tristão da Cunha. O pronunciamento dos chefes de Estado de Cancún não se refere à exploração petrolífera e os Estados Unidos declaram-se neutros. O governo dos Kirchners precisa de um bom inimigo externo para voltar a ter apoio popular e fazer com que os severos problemas econômicos nacionais sejam em parte esquecidos, mas continuam militarmente inferiores e não podem cometer os mesmos erros de Galtieri, para quem “era absolutamente improvável reação inglesa tão desmesurada” e ainda mais vinda de uma mulher e por umas ilhas tão pequenas e longínquas. Já os ilhéus sonham com mais autonomia e com as riquezas do petróleo escondido sob o permanente tumulto de suas águas. Uma nova guerra é inviável, mas não impossível.             


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional