O presidente Dmitri Medvedev quer ser mais cruel que seu orientador mor, o 1º Ministro Vladimir Putin, mas dificilmente o conseguirá, pois escolheu as mesmas vítimas, já mil vezes quase destruídas pelo verdadeiro czar da Rússia. Não deve haver cerimônia com os bandidos, eles devem ser destruídos, disse, referindo-se ao ataque da semana passada perpetrado por um grupo muçulmano radical liderado por Doku Umarov em Vladikavkaz, capital da Ossétia do Norte, no Cáucaso, região que tem sido um foco permanente de problemas para o Kremlin. Os muçulmanos são minoria no país (20 milhões em uma população total de 143 milhões), mas predominam nas montanhas do Cáucaso, principalmente na Chechênia, Ingushetia, Daguestão e Kabardino-Balkaria. Ali a violência é parte do dia-a-dia e nunca cessou mesmo depois das duas guerras entre russos e chechenos que destruiu Grozni, a bela cidade de Ivan, O Terrível. Desta feita, no mesmo mercado central onde 60 pessoas pereceram num ataque há onze anos, um suicida entrou pelo portão principal com sua camioneta Volga e detonou um poderoso explosivo recheado com rolamentos e parafusos que lhe aumentaram o poder destrutivo, provocando dezoito mortes e 107 feridos. A cidade estava em calma desde que o exército russo bombardeou a escola de Beslan em setembro de 2004, invadida por um grupo insurgente, matando 335 pessoas, a maioria crianças.
    A Ossétia do Norte, o menor dos territórios russos (tem 8 mil km2 e a maior distância entre suas fronteiras é de 130 km) com 730 mil habitantes, é um reduto cristão-ortodoxo visto como ponta de lança do domínio militar de Moscou que ai instalou suas bases para enfrentar recentes rebeliões na Geórgia e na Ossétia do Sul, esta transformada num estado independente que até hoje é reconhecido apenas pela própria Rússia que o criou e por outros três países: Nauru, Nicarágua e Venezuela. Suas origens remontam aos tempos de Catarina, A Grande, quando era um pequeno Forte às margens do rio Terek. Logo depois da revolução de 1917 viu-se incorporada à União Soviética de Lênin, nunca mais se livrando do seu domínio. Hoje, a Ossétia do Norte continua assolada pela pobreza e principalmente pela corrupção oficial agravada, segundo acusações de grupos defensores dos recursos humanos, por casos freqüentes de execuções extrajudiciais e tortura.
Ao que tudo indica, o ataque ao mercado de Vladikavkaz é o resultado de uma disputa entre facções pela liderança dos rebeldes muçulmanos. Em agosto último Doku Umarov perdeu o comando para Aslanbek Vadalov, um veterano comandante checheno que logo tentou destruir Tsentoroi, a cidade natal de Ramsan Kadyrov, o odiado presidente da Chechênia nomeado por Putin. Kadirov tem uma longa história de barbarismos, sendo conhecido pela divulgação de vídeos que o mostram num bacanal com prostitutas e pelo decreto que assinou permitindo o assassinato da mulher pelo esposo por razões de honra. Agora, no entanto, Umarov recuperou o poder e o atentado é um indicador, segundo declarações ao jornal londrino The Guardian do professor Cerwyn Moore da Universidade de Birmingham e especialista em violência política no norte do Cáucaso, de que radicais e moderados continuam lutando pela supremacia num meio em que as demonstrações de coragem e valentia precisam ser expressas pela fúria com que os inimigos são tratados.
      Acima dos interesses econômicos gerados numa área petrolífera por excelência, está a obsessão de Putin – agora incorporada por Medvedev – em dominar as montanhas do Cáucaso. Ali estão os muçulmanos, o grupo populacional que mais cresce num país que está perdendo entre 700 mil e 800 mil habitantes a cada ano, resultado da diferença entre 16,5 mortes e apenas 10 nascimentos a cada 1000 pessoas. Estimativas de conceituados demógrafos indicam que logo após o meio do século, praticantes islâmicos tornar-se-ão maioria na Rússia, um quadro longe de ser aceito por Putin que não quer passar à história com essa marca e pelos hoje ainda amplamente majoritários cristão ortodoxos.  Ataques contra mesquitas e discriminação a muçulmanos tornam-se, cada vez mais, um componente do dia-a-dia na sociedade russa, que não sabe como deter a contínua redução dos índices de natalidade diante de jovens casais que não admitem ter mais do que um filho.

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional