Quarenta dias depois das controversas decisões de suspender o Paraguai e de admitir a Venezuela aproveitando-se da temporária janela aberta na cláusula de necessária aprovação unânime pelos estados-membro (graças à ausência imposta ao governo de Assunção), o Mercosul afunda em suas próprias inviabilidades e se transforma num organismo internacional de viés político e de crescente irrelevância econômica.
Alguns detalhes, depois revelados, indicam a base fluida e tipicamente latino-americana sobre a qual todo o processo se desenvolveu. Primeiro, o afastamento de Fernando Lugo da presidência, mesmo com respaldo na Constituição do país, ocorreu num curto espaço de 32 horas e sem qualquer participação do povo paraguaio. É verdade que, por um lado, legalmente o vice-presidente assumiu com o compromisso de terminar o tempo de mandato e realizar as eleições de 31 de agosto de 2013 e, por outro lado, Lugo já não tinha qualquer sustentação interna, tanto que no Senado precisou ser defendido por uma banca contratada de advogados por falta absoluta de quem politicamente o apoiasse.
No Brasil, Dilma Rousseff tomou decisões que afetam profundamente o povo paraguaio quase sem conhecimento de causa, segundo a informação de que relatórios do Itamarati, do embaixador em Assunção e da ABIN simplesmente não lhe foram repassados. O ministro Antônio Patriota, o eterno vice-chanceler Marco Aurélio Garcia e o ministro-chefe da Secretaria de Segurança Institucional, general José Elito, embora tenham acompanhado a presidenta à reunião do G-20 no México não a informaram a respeito da crise paraguaia, apostando em que o 24º pedido de impeachment a Lugo uma vez mais não daria em nada, pelo que não havia motivo para correr o risco de levar, uma vez mais, alguns irados gritos de Dilma. No Uruguai, José Mojica leu os pareceres das cortes nacionais de justiça e das direções dos Partidos Blanco e Colorado, todos contrários à suspensão do país vizinho e à admissão da Venezuela, mas não os obedeceu sob o curioso argumento de que há situações em que o político supera o jurídico. Ou seja, fez porque quis fazer.
Os fatos terminaram por gerar intensa revolta no Paraguai. Dilma é comparada ao Conde D’Eu, sempre com a observação de que ele comandou o maior genocídio da história. O imperialismo regional brasileiro é repetido à exaustão, juntando-se à acusação de que, contra o país, foi formada uma quadrilha por ela, Cristina Kirchner, Hugo Chávez e Mojica. Nunca, desde 1870, o Paraguai sofreu tanta hostilidade conjunta no plano internacional escreveu o jornal La Nación, destacando o imenso prejuízo causado a um país cujo comércio, embora o crescente intercâmbio com a China, depende fundamentalmente dos seus vizinhos.
O Mercosul, criado em 1991 por quatro presidentes (Carlos Menem, Collor de Mello, Luis Lacalle e Andrés Rodriguez) para ser um mercado comum, nunca passou de uma união aduaneira imperfeita pois sequer seus dois pressupostos essenciais – uma tarifa externa comum e a livre circulação de mercadorias – se tornaram realidade. A Venezuela candidatou-se a ser um membro pleno (os outros cinco países andinos são associados), sujeito à aprovação dos quatro sócios efetivos, condição não satisfeita pela recusa do Paraguai que acusava o regime de Chávez de não ser verdadeiramente democrático. A legalidade da adesão forçada de Caracas é questionada pelo fato de que o Paraguai não deixou de pertencer ao Mercosul, pois foi apenas politicamente suspenso.
O governo de Federico Franco, num beco sem saída, está brandindo a única arma de que dispõe, ao ameaçar não mais vender a energia das usinas hidrelétricas de Itaipu e Yacyretá ao Brasil e à Argentina, mas não tem como concretizar suas palavras. No caso de Itaipu, o Paraguai é dono de metade dos seus 14 mil megawatts de potência instalada. Consegue utilizar cerca de 5% e vende o restante ao Brasil. Não tem como criar a curto ou a médio prazos capacidade de consumo dos 45% restantes e não pode por força de contrato fornecer energia para outros países. Dilma e Chávez querem bloquear a participação de Assunção, além da Unasul, em outros organismos internacionais como o Parlamento Andino, a Aladi, a OEA. Os paraguaios se perguntam, atarantados e infelizes: o que fizemos para merecer tanto ódio?
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional