A Baronesa Philippe de Rotschild decidiu, num jantar em junho de 1993, servir algumas garrafas magnum do Château Mouton da “safra da vitória” de 1945. Teve de tornar a guardá-las, pois o Maître de Chai (mestre de adega, encarregado da vinificação e do envelhecimento dos vinhos) considerou que ainda não estavam prontas para beber. Boas histórias como esta fazem do “Mil e um vinhos para beber antes de morrer” – Ed. Sextante.960 páginas -, apesar do título (como o faríamos depois?), um livro não para ser lido e sim para ser degustado. Seus autores – Neil Beckett e o conhecido Hugh Jonhson com apoio de 42 especialistas, em geral ingleses – argumentam que simplesmente ler sobre vinhos já é um prazer, da mesma forma que, por exemplo, fazê-lo em relação ao monte Everest, mesmo que provavelmente nunca o veja ou o escale. Ainda que concentrado nos tintos e brancos, destina um bom espaço aos fortificados e espumantes. 63% dos vinhos resenhados vêm de três países: França, Itália e Espanha, mas sobra algo para produtores norte-americanos, australianos, neozelandeses e sul-africanos, entre outros. Apenas vinte e duas garrafas do Chile e Argentina, mais um tannat uruguaio (Bodegas Carrau 2002) representam a América do Sul. Nenhum do Brasil. Um Catena malbec 2002 e um Noemí 2004 honram as tradições nacionais, mas outros três – Yacochuya de Michel Rolland, Alta Vista e Cheval de los Andes de empresas francesas, todos malbec/cabernet sauvignon de 2002, a melhor safra de Mendoza dos últimos anos – enfatizam a tendência de desnacionalização das vinícolas argentinas. Curiosamente um  Nyctimber Premier Cuvée é o único exemplar de videiras britânicas e mesmo assim como “uma prova que convenceu até os críticos mais céticos de que o Reino Unido pode produzir vinho espumante da mais alta qualidade”. Em geral a vinícola é mais importante que a safra, alertam os autores.
Para demonstrar que é democrática, a publicação concentra três quartos dos produtos na faixa entre 20 e 200 dólares, desde que comprados no lugar de origem e não no Brasil onde os impostos levam os preços às nuvens. Há quarenta vinhos que valem até dezenove dólares, com o restante cabendo ao inalcançável estrato dos preços máximos. É o caso do Redigafi 2000, um merlot da Toscana. O comentário é de que “consegui-lo e pagar seu preço é puro masoquismo, mas bebê-lo é puro hedonismo – e por que não se você pode pagar, afinal, a vida já não é suficientemente curta?”. Os vinhos realmente grandes ainda envelhecem rumo à glória. Deixando de lado os brancos doces (desta categoria é o mais longevo da lista, o alemão Kiedricher Gräfenberg 2003, um riesling que pode ser bebido até 2.100) e os fortificados que são propícios a durarem anos e anos afora, no grupo dos que permanecerão até 2050 ou um pouco mais estão, além do Mouton Rotschild, o Château Latour 2003 (válido até 2075), o Château Lafite Rotschild, o Mazia-Chambertim Grand Cru 1999 que é feito com a pinot noir e o Soldera Case Basse, um Brunello di Montalcino 1990 com pura uva sangiovese (este “só” até 2040). Um pequeno lote é cotado para “consumo o mais rápido possível”, como o Palette Rosé da Provence ou o Chardonnay da australiana Jacob’s Creek que, no entanto, é recomendada por fazer um chardonnay inigualável. Algumas vinícolas tradicionais mantém o seu lugar. O velho Mateus Rose é o melhor exemplo: um vinho nem seco, nem doce; nem tinto nem branco; nem pesado nem leve; nem efervescente, nem tranqüilo, que pode ser bebido a qualquer hora, com a comida ou a sobremesa! Também o chileno Cousiño Macul (o Antiguas Reserva cabernet sauvingnon 2003 é para ser bebido até 2018), os espanhóis Marqués de Riscal e o clássico Vega Sicília 1970, liberado para venda 25 anos após a safra e que ainda hoje após ser visto, cheirado e provado não revela sua idade, pois permanece sempre jovem. Já o grande Opus One, caríssimo, é referido como “muito maduro e alcoólico” e o Meerlust Rubicon 96 da sul-africana Stellenbosch, de corte bordalês, cujos taninos “por muitos anos foram pesados e taciturnos”, agora assentaram, de modo que “uma vez aberta a garrafa, não há mais como se segurar”. Um bom destaque é dado ao Quinta do Ribeirinho Pé Franco 1999 de Luis Pato (provei o da safra 2006, servido pelo autor na sua propriedade da Bairrada, e continua divino), um vinho pré-filoxera em tempos modernos, obtido em terreno arenoso a partir de videiras não enxertadas cuja produção é tão baixa que resulta em somente uma taça de vinho por planta a cada safra. A fotografia, de primeira, delicia o leitor com imagens como a da vinícola La Richa no vale de Jonkershock (Á. do Sul), do Pombal de Latour construído em 1630 ou dos campos do Vale do Douro.
  A outra boa leitura é o “La Bodega” de Noah Gordon, pela Rocco: a história de Joseph Alvarez na Espanha do fim do século XIX, tempos da filoxera, que aprende o ofício no Languedoc francês e termina por fazer um excelente vinho em terras onde seus ancestrais só produziam vinagre ordinário. Vale a pena.


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional da ABS-Brasília