O grande teste é a Líbia, de onde a remoção de Muamar Khadafi que há quarenta anos oprime seu povo é uma missão considerada impossível, tal o domínio que o aparelho de repressão exerce sobre cada detalhe da vida nacional. O autointitulado Líder Espiritual e Guia da Revolução Líbia mandou abrir fogo contra os manifestantes e já matou pelo menos 184 pessoas em Benghazi. Democracia é algo praticamente desconhecido dos atuais povos muçulmanos, viciados em regimes despóticos em nome de Alá ou da tradição. Mohamed VI, da dinastia Alawita, rei do Marrocos desde 1999, declara-se descendente de Maomé e até mesmo um mero Presidente da República, como Omar Guellen do pequeno Djibouti acaba de modificar a Constituição para concorrer a um longo terceiro mandato, com o que completará dezoito anos no poder. É verdade que o presidente da Tunísia caiu graças a manifestações populares, mas agora a oposição se pergunta para quê. Assumiu o governo dito provisório Fouad Mobazaa, presidente da Câmara dos Deputados há quatorze anos, mantendo-se Mohamed Ghannuchi como 1º Ministro, cargo que ocupa desde 1999. Também é fato que o povo nas ruas conseguiu o quase milagre de afastar Osny Mubarak que após três décadas queria continuar sendo o presidente do Egito. No entanto, quem agora governa é o Comando do Exército Nacional, organização cujo interesse em mudanças é mínimo, pois além do aparelho repressor possui empresas que produzem de tudo um pouco (TVs, móveis, óleo de oliva), detendo cerca de 30% da economia do país.
Dos dezessete países que compõem o Oriente Médio, em oito (Bahrein, Iêmen, Egito, Jordânia, Síria, Kuwait, Iran e Iraque) há protestos populares reclamando melhores condições econômicas e a queda de seus governos. Além disso, rolos de negra fumaça e o matraquear das lagartas dos tanques militares acrescentaram-se à paisagem das principais cidades da Argélia, Líbia, Marrocos, Mauritânia, e Djibouti, ademais da Tunísia onde a reação começou. Mais de 331 milhões de pessoas aí vivem, não se podendo esquecer que, na região, a tensão é permanente no Líbano, Israel, Chipre e Palestina, e que Arábia Saudita (o rei Abdallah diz que vai intervir caso as coisas saiam do controle no vizinho Bahrein) e Turquia também enfrentam problemas. Todos são muçulmanos e a luta em geral se fere entre distintos ramos do islamismo, como ocorre no Reino do Bahrein onde o monarca Hamad Bin Isa Al Khalifa, suas quatro esposas, os doze filhos e 30% da população é sunita, enquanto os restantes 70% são xiitas que pedem uma sociedade mais igualitária. No Sultanato de Omã, ainda não alcançado pelos protestos, a dinastia Al Sa’id governa há 250 anos. No Emirado do Qatar, onde partidos políticos inexistem, a família Al-Thani está no poder desde 1800.
Eleições regulares se realizam nas repúblicas do Chipre, Israel, Turquia e Iraque. No Irã, governado pelo Lìder Supremo Aiatolá Ali Khamenei, há um presidente – Mahmoud Ahmadinejad – duas vezes eleito (2005 a 2013) sob protestos da oposição que agora retornam a agitar Teerã. Reis, emires, sultões, poderes militares e ditadores reagem diante da pressão popular oferecendo mudanças cosméticas com a finalidade de manter as estruturas de poder despótico que caracterizam a maior parte do mundo árabe. É o caso do jovem (49 anos) Rei Abdullah II da Jordânia, no poder desde a morte do pai em 1999, que para acalmar as massas demitiu o 1º Ministro, nomeando Marouf Bakhit, anterior ocupante do cargo e o mais improvável fautor das reformas políticas e econômicas pedidas pelo povo.
As possibilidades práticas de que os atuais protestos evoluam para a substituição dos governantes por estruturas democráticas, como estas são conhecidas no mundo ocidental, permanecem muito pequenas no Oriente Médio e nas nações islâmicas periféricas. Contudo, é realmente extraordinário que os jovens de quatorze países tenham conseguido reproduzir e ampliar o movimento de revolta originalmente tunisiano desafiando, sem uma organização política nem armas nas mãos – exceto pedras e suas próprias vozes – a forças habituadas a não serem contestadas e que nunca precisaram prestar contas de seus atos à população. A democracia, nos modelos admissíveis pelo mundo árabe, pode não ser imposta em seguida, mas é indiscutível que as portas foram abertas e de ora em diante tudo é possível.        
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional