Nos municípios de Pradera e Bolívar do departamento Del Valle, na área conhecida como El Retiro, estava quase tudo pronto para o início das conversações entre o governo colombiano e a guerrilha das Farc com o objetivo definido de promover uma troca de prisioneiros. As famílias dos 58 seqüestrados respiravam esperança e elogiavam o espírito pacifista do recém reeleito presidente. Tudo se desvaneceu na última 5a. feira. Às 8h45 da manhã o estacionamento da Universidade Militar, ao lado da Escola Superior de Guerra na zona norte de Bogotá, já estava quase cheio e muitos carros recém chegavam levando funcionários para os trabalhos do dia. Nada denunciava o perigo, quando a camionete Ford Explorer azul explodiu abrindo uma cratera, ferindo 23 pessoas e causando um prejuízo de pelo menos 170 mil dólares. No começo da noite Álvaro Uribe Vélez, o presidente, discursava ensandecido pelo ódio, declarando que a culpa era da guerrilha e que as negociações de El Retiro estavam definitivamente suspensas. A ordem, agora, é de recuperar a ferro e fogo os prisioneiros: o resgate será militar, afirmou, para desespero dos familiares, dos pacifistas, da comunidade internacional que apoiava uma vez mais a criação de uma zona livre, sem forças de segurança e sem armas.
De imediato as Farc reagiram, negando a autoria do atentado. “Não surpreende a ruptura por parte do governo porque sempre que há possibilidade de firmar um acordo para começar a dialogar sobre as causas do conflito armado, ele fecha as portas”, disseram em um comunicado de sua agência de notícias, a Anncol. Analistas consideram que o provável autor da explosão é a própria direita radical, enquistada no exército nacional e no entorno de Uribe, aliada aos que se beneficiam com o estado de guerra permanente que há mais de quarenta anos faz parte do dia-a-dia colombiano. Há quem acuse o próprio presidente de estar por trás do incidente, estranhando a rapidez com que chegou aos culpados, sem tempo para qualquer análise técnica e com nenhum detido pela polícia.
Quanto à ordem de libertar os reféns, não tem como ser cumprida. A guerrilha continua intacta em seu poderio militar e em seus efetivos de cerca de 18 mil homens. No início do primeiro período no poder de Uribe, com a forte injeção de dinheiro norte-americano e o reforço das Forças Armadas, encolheram-se, mas já retomaram suas posições, como o demonstram os 33 ataques efetuados em 2005. A principal fonte de renda tanto dos guerrilheiros quanto dos paramilitares, o comércio ilegal de drogas, segue sólida e rentável. Pelos dados e fotos de satélites do Departamento de Estado e da ONU, no ano passado persistiam 86 mil hectares plantados com coca na Colômbia (mais do que suficiente para alimentar o tráfico), apesar de que 170 mil hectares foram fumigados com o glifosato ou tiveram suas plantações erradicadas manualmente. Mesmo os consultores do DEA reconhecem que esta é uma luta inglória, pois é preciso fumigar 22 hectares para erradicar um só. Na prática, a política é de perseguir os agricultores e não os traficantes. A destruição das plantações no sul teve como resultado a expansão dos cultivos país adentro, numa rota que coincide com as áreas de presença e domínio dos paramilitares que, mesmo tendo assinado a paz com o governo entregando suas armas para reincorporar-se à vida civil, nunca deixaram de plantar coca e papoula e traficar cocaína e heroína. Assim, por exemplo, os cultivos na Serra Nevada de Santa Marta estão em região sob controle do Bloco Resistência Tayrona, liderado por Hernán Giraldo; em César, a área é de Jorge 40 que dirige o Bloco Norte; em Córdoba o comando é de Salvatore Mancuso, como os demais pertencente às Autodefesas Unidas da Colômbia.
Dos 58 seqüestrados cuja libertação seria negociada em troca de mais de 500 guerrilheiros nas prisões estatais, 33 são militares ou policiais e 18 são políticos, mas há também um ex-ministro de estado, um ex-governador, três cidadãos dos Estados Unidos (Keith Santarell, Thomas Howes e Mark Gonsalves que prestavam serviços como contratados de empresas de consultoria), além de Ingrid Betancourt e Clara Rojas, à época candidatas a presidente e vice do Partido Verde Oxígeno. O Tenente-Coronel Luis Mendieta, o capitão Enrique Sánchez e quatro outros militares, capturados em 1º de novembro de 1988, são os mais antigos e o mais recente é o congressista Luis Eduardo Turbay que caiu em fevereiro de 2003. A média de permanência na selva, sem nunca ter havido qualquer contato com familiares ou com as forças de segurança, é de 8 anos e 1 mês. Ingrid e Clara completaram, na última 2a. feira, 1.460 dias de cativeiro. Uma vez que não há a possibilidade de que qualquer dos dois lados vença a guerra e muito menos de libertar os presos, ao repetir o velho costume de interromper unilateralmente as negociações diante do primeiro sinal de dificuldades, o governo de Álvaro Uribe reforça seu caráter militarista e aprofunda o impasse, não solucionando o problema nem permitindo que outros tentem resolvê-lo.   


 


Vitor Gomes Pinto


Escritor, analista internacional


Autor do livro Guerra en los Andes