É verdade quer a corrupção é um fenômeno quase universal e que na antiguidade já atazanava a vida dos bons governos e de seus súditos: na Grécia, em Roma, nos impérios bizantino e otomano, por mais castigos que se impusessem, nada coibia o desvio de dinheiro público. É verdade, também, que continua sendo um crime contra a economia popular e que quanto mais se repete mais inaceitável se torna. No último dia 10 de julho Pequim concluiu em rapidíssimos 60 dias os trâmites pós-julgamento e executou o ex-chefe de administração estatal de alimentos e medicamentos, Zheng Xiaoyu, numa tentativa de transformá-lo em exemplo para conter uma onda de desonestidades que estão tirando competitividade dos produtos chineses no mercado internacional. Já no Brasil, a polícia está cansada de identificar os corruptos e às vezes até consegue prendê-los por alguns dias, para em seguida vê-los libertados para retornarem à vida civil e às mesmas atividades ilícitas recém descobertas. Operações Vampiro, Anaconda e Roupa Suja (caso das lavanderias e logo de fraudes com medicamentos para Aids), Valériogate, envolvimentos comprovados de altas autoridades federais, acabaram abafadas e em parte esquecidas diante de novos escândalos que se repetem com espantosa regularidade, ao ponto de já não mais surpreenderem aos brasileiros que lêem jornais. Os mais pobres, anestesiados pelos programas oficiais que lhes garantem uma renda mínima sem contraprestação necessária, fecham olhos, ouvidos e bocas temerosos de perderem seus “benefícios”. O resultado é que a fama brasileira como uma terra de corrupção corre o mundo.


A Organização Não-Governamental Transparência Internacional em sua edição relativa a 2006 do Índice de Percepções sobre Corrupção, colocou o Brasil em 70º lugar entre 163 nações. O Índice varia de 0 (altamente corrupto) a 10 (honesto), tendo a Finlândia na liderança com uma nota 9,6 e o Haiti em último com 1,8. O Brasil ficou com a baixíssima média de 3,3 junto ao México, superado nas Américas pelo Chile (7,3 empatado com Bélgica e Estados Unidos), Uruguai, Costa Rica, El Salvador, Colômbia, Jamaica, Belize e Cuba, mas acima dos mais corruptos (afora o Haiti): Venezuela e Equador, com 2,3. 


Há poucos dias o Banco Mundial apresentou seus Indicadores de Governança 1996-2006, com dados relativos a seis indicadores, entre os quais figura o Controle da Corrupção. O Brasil, nesse quesito, situou-se em posição lamentável: 115º entre 212 países, tendo piorado seu conceito no período de dez anos analisado (a nota, entre 0 e 100, caiu de 51,5 para 47,1). O informe, embora se fundamente numa coleta de informações a partir de fontes e opiniões de muita amplitude e reconhecida seriedade, foi contestado de maneira irônica pela Controladoria Geral da União (CGU) por meio de seu Ministro-Chefe.


A corrupção costuma ser definida como o abuso do ofício público para a obtenção de ganhos pessoais, ou como o uso inadequado de funções públicas para ganhos financeiros pessoais, partidários ou políticos. Em geral examina a existência de suborno e de cobranças ilegítimas em atividades de exportação/importação, contratos públicos, empréstimos, além de facilidades para redução de impostos, obtenção de terrenos e instalações, subsídios no uso de serviços públicos (eletricidade, água, telefone). A Transparência Internacional chegou a desenvolver um “Índice de Suborno”, para diferenciar países cujos governos aceitam em maior ou menor dose tais práticas nos negócios.


Um dos setores onde a corrupção é mais praticada e se torna mais danosa é o da saúde. Protegido por um manto de ética aparente e pela dedicação dos profissionais da área a salvar vidas, o setor apresenta um impressionante histórico de desvios de toda ordem, envolvendo propinas para aprovação de obras, extorsão por parte de inspetores, formação de estoques super ou subdimensionados (neste caso para forçar novas compras com preços maiores), absenteísmo exagerado por médicos que trabalham em vários empregos simultâneos, orçamentos incorretos, roubo de materiais, cobranças indevidas de serviços prestados p.ex. a pacientes de planos de saúde, tratamentos e exames desnecessários, fraudes na qualidade e conteúdo de medicamentos, radiografias e outros exames cobrados e não realizados, aceitação de suborno por funcionários para liberar licenças de produtos, substituição de serviços de maior preço por outros mais baratos em prejuízo da saúde dos pacientes. Em documento agora publicado sob o título “Transparência e corrupção no setor saúde”, William Savedoff afirma que “comportamentos não éticos e fraudulentos comprometem o alcance de direitos humanos básicos, conduzem à prestação de tratamentos perigosos e contribuem para o aumento da resistência às drogas, tendo ao final efeitos enormes e desproporcionais principalmente nos países mais pobres”.


Demonstrações de força como a edição de leis prevendo punições cada vez mais duras – tão ao gosto dos políticos quando os casos vêm à tona – têm sido claramente insuficientes. A experiência internacional mostra que as melhores soluções são obtidas onde há transparência das contas públicas e participação intensa da sociedade ou dos principais interessados. Sempre é preciso que haja o corrupto e o corruptor, mas entre eles atua uma vasta rede de intermediários incluindo grandes e pequenos agentes facilitadores, tão relevantes quanto os atores principais. Combatê-los não é tarefa fácil, mas é o único caminho para que o Brasil consiga, um dia, dar o desejado salto para o primeiro mundo.        


 


Vitor Gomes Pinto


Escritor. Analista internacional