As imagens predominantes neste final de 2009 – o ano da astronomia em homenagem a Galileu Galilei – se, por um lado, mostram um mundo que insiste em suas guerras enquanto se debate em mais uma crise econômica, por outro lado, com a banalização da violência, já não causam surpresa a mais ninguém. Mesmo assim, cabe perguntar: que mundo é este em que vivemos e que parece aceitar passivamente tantos horrores? Em Lion, num supermercado Carrefour, um sujeito que tentava levar – sem pagar – algumas garrafas de cerveja pensando em comemorar a passagem de ano, foi pego pelos vigias franceses que o castigaram até causar-lhe a morte por asfixia. Na prisão da cidade chinesa de Urumki, a capital da província de Shinjiang que em julho foi palco da repressão policial à minoria Uigur, o cidadão inglês Akmal Shaick foi executado com uma injeção letal, acusado de porte de cocaína, apesar de ser doente mental. No Irã, onde Mahmud Ahmadinejad foi reeleito presidente em junho num pleito caracterizado por fraudes massivas, com apoio do Líder Supremo, Aiatolá Ali Khamenei, os atuais protestos da oposição (acusados de serem do Partido de Satã) voltam a estimular a mais violenta reação oficial. Apesar disso, Ahmadinejad foi bem recebido em Brasília pelo presidente Lula que vai visitá-lo, assim como a vinte outros países, no primeiro semestre de 2010.
Grandes investidores internacionais lucraram muito no Brasil graças à combinação de juros altos e real supervalorizado. A entrada de dólares, mesmo que fugazes, manteve aquecida a economia nacional e o Bovespa fecha o ano em alta, mesmo porque, entre constantes baixas e altas, as ações da Vale e da Petrobrás acabaram sobrevivendo na bolsa. Lá fora, os sustos foram maiores. A GM, após entrar em processo de falência, foi salva com dinheiro do governo norte-americano que agora, junto com o FMI, assusta-se diante do pedido de moratória do empreendimento mais espetacular deste início de século, o Conglomerado Dubai World nos Emirados Árabes Unidos. A crise dos mercados marcou o primeiro ano de Barack Obama na presidência dos Estados Unidos, deixando-lhe menos tempo para lidar com a política. Ele desistiu do Iraque e investiu no Afeganistão para onde, logo após receber a inusitada notícia de que ganhara o Prêmio Nobel da Paz, mandou mais 30 mil soldados, aumentando os efetivos para um total de 100 mil. Não é de surpreender que dois dias após o Natal um terrorista vestindo um colete forrado de bombas tenha se infiltrado na base afegã de Chapmam para explodir-se e causar a morte de oito americanos. A Al Qaeda de Bin Laden está enfraquecida e cercada, mas ainda existe no Iraque, associou-se aos piratas na Somália e abriu nova frente de luta no Iêmen, ao mesmo tempo em que mantém suas mesquitas-escola no Paquistão e as bases talebãs no Afeganistão. O discurso de Obama na Universidade do Cairo propondo aos muçulmanos por fim a um século de discórdia e desconfiança, até aqui só produziu efeitos retóricos.
Algumas eleições tiveram particular importância. Ângela Merkel foi reeleita na Alemanha e a União Européia escolheu seu primeiro presidente, o belga Hernan Van Rompuy. Já os japonesas optaram por tirar os conservadores do governo entregando o comando, após 54 anos, ao centro-esquerdista Partido Democrata. Mesmo sem qualquer peso estratégico notável, a tranqüila vitória de Porfirio Lobo em Honduras destacou-se por ter evitado males maiores. Manuel Zelaya continua hospedado na embaixada brasileira e agora só aguarda uma saída honrosa que lhe permita o exílio.
O ano, após um duro começo sob os bombardeios israelenses na Faixa de Gaza, termina com a busca da organização ou do indivíduo que encomendou o roubo da placa do portão principal do campo de extermínio de Auschwitz (hoje um museu), na cidade polonesa de Oswiecim, onde os nazistas mataram mais de um milhão de pessoas, a grande maioria judias. A placa – uma peça de ferro fundido de 5 metros e peso de 40 kg – tem os dizeres em alemão Arbeit Macht Frei (O trabalho liberta), foi construída pelos próprios prisioneiros sob as ordens da SS e cuidadosamente desparafusada em um lado e arrancada de outro às 4 da madrugada de 18 de dezembro, sendo recuperada três dias depois. Cinco ladrões comuns, todos poloneses, estão presos. Quem gostaria de ter em casa o símbolo maior da crueldade humana? O mistério só será desvendado em 2010, quando a criação da luneta por Galileu Galilei completa 401 anos comprovando a teoria de Nicolau Copérnico de que o mundo não gira em torno da terra. Talvez, caso ainda estivesse entre nós, o mestre toscano pudesse convencer Ahmadinejad (e a seus amigos) da existência do holocausto, contribuindo para que o Irã e o mundo se livrem de seus Aiatolás.
     
     
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional