A vitória de Nicolás Maduro nas eleições do domingo 14 de abril parece ser uma fatalidade a mais na vida recente da Venezuela, um belo país que se debate num ambiente de adoração sem fim ao falecido ex-presidente Hugo Chávez promovido a santo por seus seguidores. As pesquisas de opinião conferem uma vantagem, ao que tudo indica irreversível, de pelo menos 10% dos votos a esse ex-motorista de ônibus e ex-líder sindical que fez toda sua carreira política dentro do chavismo, sobre o advogado Henrique Capriles, atual governador do estado de Miranda e que por essa mesma diferença foi derrotado no pleito de outubro último. Não há limites ao endeusamento com fins políticos de Chávez que a seu tempo tinha razão em tudo o que dizia, inclusive na ocasião em que declarou ter conhecimento de que a vida existente no planeta Marte fora extinguida por culpa do capitalismo. Na campanha, o imperialismo é acusado de ter induzido o câncer do comandante com a colaboração de Capriles. No mundo real, quatro temas principais preocupam os venezuelanos: a economia, a dependência nacional do petróleo, o papel dos militares e o futuro político.

Apesar de ter reduzido à metade a pobreza, após 14 anos o regime enfrenta a maior inflação da América Latina e submete seu povo a um desabastecimento de itens essenciais da cesta básica, a racionamentos seguidos de energia e a um déficit fiscal que supera os 50% do PIB, além de importar mais de 70% do que consome pela absoluta falta de produção interna (mais de cem mil empresas fecharam suas portas), penalizando exatamente aos mais pobres. Segundo o Índice de Liberdade Econômica no Mundo – que avalia suporte de políticas públicas à atividade financeira – para 2012 do canadense Fraser Institute, a Venezuela está em último lugar entre 144 países. A moeda nacional, o Bolívar, foi desvalorizada em 32% em fevereiro chegando a 4,3 por dólar, mas a consultora Barclays y Ecoanalítica estima que agora é necessária uma nova queda de 50%, levando-a à cotação recorde de 6,5:1. O orçamento nacional tem quase total dependência da conta petróleo e se mantém graças ao mais longo período histórico de alta valorização dos hidrocarbonetos no mercado internacional (a cotação atual é de US$ 100 o barril). A situação é perigosa, pois a produção venezuelana caiu em 1/3 no ultimo ano, enquanto os gastos públicos cresceram em idêntica proporção. O padrão de endividamento externo da Venezuela faz lembrar as agudas crises dos governos Carlos Pérez e Herrera Campins entre 1974 e 1981 que por pura imprevidência não resistiram a súbitas quedas nos preços do barril de petróleo. Então, como agora, no período de vacas gordas o governo gastava a rodo e subsidiava generosamente a países vizinhos considerados amigos.

O papel dos militares é outro fator de potencial desequilíbrio. Chávez e Maduro sempre disseram que as Forças Armadas devem ser socialistas, enquanto Capriles defende a diversidade de pensamento e um comprometimento com a defesa da soberania, sem proselitismo político. No clima de radicalização vigente, o ministro da Defesa, recém nomeado, já declarou que os militares não aceitariam um governo de oposição.  Quanto às perspectivas políticas, Chávez projetara, para seus próximos 6 anos de governo, um aprofundamento socializante baseado na parceria com os conselhos comunitários e na redução da força de governadores e prefeitos. Sem dinheiro para sustentar uma crescente máquina estatal, Maduro poderá se tornar o bode expiatório de um projeto impossível de ser levado adiante.

Nas barracas de artigos esotéricos da feira da avenida Baralt, no centro de Caracas, imagens, chaveiros, medalhas, bonecos, camisetas com o rosto de Chávez no céu vendem como água. Dom Ovídio Pérez, arcebispo de Caracas, protestou porque o governo estaria colocando em Cristo uma camisa vermelha, o que não impede Maduro de repetir à exaustão que Chávez é um Cristo que fez milagres em vida. Assim, tanto ele como os ministros e altos dirigentes do Partido Socialista Unido da Venezuela consideram-se seus apóstolos e chamam Capriles não só de intolerante e fascista, mas também de fariseu. Para a oposição, não há como vencer uma eleição com tal nível de pressão e com toda a máquina, incluindo o Conselho Eleitoral, nas mãos de chavistas. Capriles aos 40 anos de idade, o solteirão mais cobiçado do país (Maduro sugeriu que ele é homossexual), educado no catolicismo não renega a origem judaica de uma família que fugiu de Varsóvia para escapar do holocausto. Dirige um estado com poderes, infraestrutura  e orçamento esvaziados pelo governo central, correndo o risco de ser obrigado a seguir o caminho do candidato oposicionista anterior, Manuel Rosales, exilado no Peru.