O correaço equatoriano

Bem Paraná

Tão logo assumiu o poder em 15 de Janeiro último, Rafael Correa ― um economista com PhD en Illinois e mestrado na Bélgica, parece ter chegado à conclusão de que nascera para isso e a presidência do Equador era seu projeto de vida. O fato de não ter um só deputado eleito pelo seu partido não constituiu problema para o jovem presidente que, seguindo as receitas de Hugo Chávez, mas atuando bem mais rápido, nos primeiros três meses de administração promoveu intenso processo de demolição institucional: um verdadeiro vulcão político que os equatorianos logo denominaram de “correaço”.
Sua proposta de instalar uma Assembléia Constituinte para “refundar o país” no rumo do novo “Socialismo do Século XXI”, provocou a reação do que denominou de “partidocracia”, ou seja, dos partidos que nos últimos 40 anos comandaram o Equador. Depois de nomear a 1ª. mulher na história nacional como Ministra da Defesa, convocou um plebiscito para autorizá-lo a instaurar uma Assembléia Constituinte com plenos poderes. O Congresso não aprovou por duas razões: porque não fora iniciativa sua e porque grande parte dos deputados, diante da certeza de que perderiam os mandatos adquiridos nas eleições de novembro, decidiram lutar por eles.
Foi o suficiente para desatar a fúria de Correa e de sua claque. De fato, era o que esperava para liquidar com o Judiciário e com o Legislativo, aplainando o caminho para poder reinar sem incomodações. Das três instâncias judiciais centrais existentes no país, a Corte Suprema de Justiça por ser formado por juízes concursados é neutra e costuma ficar esquecida. O Tribunal Constitucional (TC), com magistrados de mandato quadrienal, entra num virtual recesso durante períodos eleitorais quando legisla soberano o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que é o mais parcial de todos, pois seus  sete juizes são escolhidos segundo a representação proporcional dos partidos no Congresso. Quando os deputados resolveram demitir o presidente do TSE por desacordos em relação à convocação da Constituinte, este reagiu como se estivesse num ringue de boxe e, num contragolpe imediato, cassou o mandato de 57 dos 100 deputados nacionais, com pleno apoio de Correa que logo ordenou à polícia que impedisse o acesso dos agora Deputados Cassados ao edifício do Congresso.
Depois de realizado o plebiscito, ganho por Correa com facilidade, o TC voltou a funcionar e decidiu de forma inapelável restituir os mandatos a 50 legisladores (os outros 7 não haviam assinado o pedido de reabilitação). Ah, para que o fizeram. No dia seguinte o Congresso, já composto pelos irados deputados suplentes, anulou o Ato do TC e demitiu seus juízes. Todas essas polêmicas decisões não têm base legal, inclusive pela inobservância do devido processo. Vigora, no Ecuador, a lei de quem pode mais.
Perseguidos onde estivessem por partidários radicais de Correa, e por fim com um mandato de prisão por desobediência civil solicitado por uma simples fiscal do governo, os cassados fugiram para a Colômbia, onde pediram proteção ao presidente Álvaro Uribe.
Agora vem ai a Assembléia Constituinte. Serão 130 delegados com 240 dias para escrever a nova Carta Magna, em substituição à Constituição de 1998. O Equador já teve 20 Constituições e agora terá a 21ª. Até lá Correa administrará o país a seu bel prazer e os equatorianos, que o continuam apoiando, rezam para que ele acerte, desconfiando de que terão tempos difíceis pela frente.
Rafael Correa, assim como Hugo Chávez, dá indícios de seguir o modelo conhecido como “Neopresidencialismo”, no qual o Presidente além de ser o Chefe do Executivo, concentra muitas das atribuições dos poderes judiciário e legislativo. O ex-senador Jarbas Passarinho lembrou, a respeito, a definição que considera precisa de Lowenstein: “o Neopresidencialismo é o regime no qual o Presidente exerce o Poder Executivo sem prescindir do Legislativo e do Judiciário, desde que lhe sejam submissos”.
 


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, Analista internacional, Autor do livro Guerra en los Andes (Editora Abya Yala – Quito/Equador)